Namoro na infância e adolescência: proibir ou orientar? Freepik

Educadora alerta para importância de não invalidar os sentimentos

Você já ouviu sua criança de 7 ou 8 anos dizer que tem uma namoradinha ou namoradinho na escola? Embora possa parecer precoce para os adultos, esse tipo de declaração tem se tornado cada vez mais comum e gerado dúvidas entre pais, educadores e cuidadores. Afinal, o que está por trás desse comportamento? Proibir é o melhor caminho?

Segundo a educadora especialista em infância e adolescência Priscilla Montes, o mais importante nesse cenário não é repreender ou incentivar o namoro em si, mas acolher, orientar e respeitar os sentimentos da criança, mesmo quando ainda estão em construção.“Existe uma diferença entre dizer que a criança não pode namorar e dizer que ela não pode sentir. Quando invalidamos o sentir, estamos fechando um canal de diálogo importante para a formação emocional dos nossos filhos”, afirma.

É normal, mas pede atenção

Ela explica que é natural que crianças sintam curiosidade por vínculos afetivos. “Somos seres humanos curiosos. À medida que crescemos e ampliamos nossos ambientes, é normal que a criança desenvolva esse tipo de interesse. E que bom que ela tem esse espaço para te perguntar”, destaca.

Diante dessas situações, a especialista recomenda que os pais mantenham a calma e evitem reações exageradas. O mais eficaz é aproveitar essas oportunidades como momentos de escuta e orientação.“Quando a gente recebe uma pergunta que parece precoce, é importante devolver com curiosidade: ‘Filha, o que você acha? Você já ouviu alguma coisa sobre isso?’. Assim, entendemos o que ela sabe, onde ouviu, e conseguimos responder sem exageros”, aconselha.

Dialogo aberto

O essencial, segundo Priscilla, é garantir que a criança ou o adolescente se sintam seguros para dialogar com os pais, mesmo que o assunto seja delicado. “Você pode explicar que, com 8 anos, ela ainda é uma criança, e criança não namora. Mas que é normal gostar mais de alguns amigos do que de outros, e que isso às vezes gera confusão. O importante é mostrar que há espaço seguro para tirar dúvidas, sem medo ou vergonha”, explica.

Na adolescência, os vínculos afetivos ganham intensidade e, muitas vezes, envolvem os primeiros relacionamentos mais sérios.“Nesse momento, os pais não devem agir como fiscais do namoro, mas como aliados. É a hora de ensinar sobre respeito mútuo, autocuidado, consentimento e responsabilidade emocional”, afirma.

A curiosidade afetiva, muito presente nas conversas entre amigos e nas escolas, é amplificada pelo acesso precoce à internet e às redes sociais. De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, realizada pelo Cetic.br/NIC.br, 83% das crianças e adolescentes brasileiros que usam internet têm contas em plataformas como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube. Entre as crianças de 9 e 10 anos, esse índice já atinge 60%, mesmo que essas plataformas oficialmente não aceitem usuários com menos de 13 anos.

O problema das redes

A frequência de uso também chama atenção. Cerca de 70% dos jovens de 9 a 17 anos acessam o WhatsApp com frequência elevada, sendo que 53% utilizam a plataforma várias vezes ao dia. No YouTube aparece com 66% de uso frequente, seguido de Instagram (60%) e TikTok (50%). Já entre os mais novos, o YouTube predomina, sendo usado por 70% das crianças de 9 a 10 anos diariamente ou quase todos os dias.

Para Priscilla Montes, esses números ajudam a entender por que temas como namoro, afeto e vínculos aparecem cada vez mais cedo na fala de crianças e adolescentes.“O que essas crianças estão consumindo? Que modelos de vínculos afetivos estão vendo? Quando a escola ou a família não abre espaço para o diálogo, esses espaços são ocupados por influenciadores e conteúdos muitas vezes inadequados”, alerta.

A educadora também chama atenção para o papel das escolas nesse processo, principalmente diante da recorrência de namoros na fase escolar e dos conflitos que às vezes surgem entre alunos, pais e professores.“A escola precisa ser parceira das famílias, promovendo espaços de conversa sobre afetividade, limites e convivência. Não se trata de estimular, mas de educar para o afeto e para a vida em sociedade”, reforça.

Para ela, o caminho está na construção de uma relação de confiança e presença. “Criança não namora, mas ela sente. Adolescente namora, mas precisa de acompanhamento. O que não pode faltar é escuta, vínculo e orientação. Sem isso, abrimos espaço para que outras fontes, como redes sociais e colegas, ocupem o lugar que é dos pais e dos educadores”, conclui.