Psicanálise x ciência Foto: Pixabay

Dois pontos de vista se confrontam, atiçando o debate em torno da eficácia e validade dessa abordagem psicológica

A psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud no final do século XIX, é uma abordagem terapêutica que busca compreender o funcionamento da mente humana. Com foco no inconsciente dos nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. 

Ao explorar as dinâmicas psíquicas e a interpretação dos sonhos, por exemplo, a psicanálise propõe uma análise profunda dos processos mentais. Para então compreender questões emocionais e comportamentais. Essa disciplina influenciou diversas áreas, incluindo a psicologia, a psiquiatria e até mesmo a linguística. Porém, a sua natureza subjetiva e interpretativa tem sido alvo de debates e críticas. 

Psicanálise é ciência? 

Uma polêmica recente trouxe à tona essa discussão. No livro intitulado Que bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério, os autores Natália Pasternak, divulgadora científica, e Carlos Orsi, jornalista, compilam os estudos mais recentes sobre astrologia, homeopatia, acupuntura, discos voadores e diversos outros temas, incluindo a psicanálise.

Publicada pela editora Contexto no final de julho deste ano, a obra tem como objetivo argumentar que nenhum desses conhecimentos pode ser considerado científico. Essa abordagem provocou uma reação negativa. No caso da psicanálise, não foi diferente, mesmo considerando que questionamentos a respeito dela não são novidade. 

O que dizem os profissionais da área?

Fabiano de Abreu Agrela, PhD em Neurociências, Mestre em Psicologia e Psicanalista, afirma que existe uma abordagem diferente na psicanálise, quando comparada à psicologia, para a compreensão e intervenção no comportamento humano e no sofrimento psíquico. 

Para ele, a psicanálise funciona como uma continuação para o psicólogo, a fim de ter mais parâmetros a serem utilizados na abordagem e no tratamento. “A psicologia requer mais estudo, logo, torna-se mais assertiva, preventiva e confiável, sendo a psicanálise considerada um aporte para o tratamento. Ela foi formulada por Sigmund Freud e seus sucessores que empregam métodos menos empíricos e mais introspectivos. Focam nos processos inconscientes e na maneira em que eles podem fornecer pistas sobre o problema psicológico.” 

Agrela acredita que há um motivo válido para a psicanálise não ser utilizada cientificamente. Apesar de não negar seus resultados positivos para os tratamentos e evoluções psicoemocionais. “A psicanálise é funcional como terapia, por ser mais prática, mas a psicologia traz, na teoria, respostas necessárias para a ciência. Quando estou construindo um estudo científico, por exemplo, eu me baseio na genética, neurociência e psicologia.” 

Dificuldade que complementa

O especialista, que é autor, inclusive, de um estudo de neuropsicanálise, no qual comprova os conceitos da psicanálise com base no sistema nervoso, justifica a dificuldade em aplicar isso à ciência devido à subjetividade que embasa a abordagem, apesar de confirmar o vínculo. “Quando trazemos o inconsciente, mecanismo de defesa, desenvolvimento psicossexual, complexo de Édipo, transferência, conseguimos comprovar a relação. Mas há outros nomes para tudo isso. Então, para um cientista, fica forçado usar esses termos, já que são termos que já existem as suas razões com base neurológica. Tudo isso já é explicado na psicologia e neurociências cognitivas. É uma questão apenas de comprovar que a psicanálise funciona sim, mas há o seu limite”, pondera. 

Para Agrela, a psicanálise funciona, sim, como um suplemento para o psicólogo, Mas ele faz um alerta preocupante sobre um problema que vem assombrando a área: a banalização da formação como psicanalistas. “Me preocupo com os profissionais de psicanálise que cuidam de vidas e não sabemos o quão qualificados estão já que há muitos cursos rápidos e fáceis para ter a formação em psicanalista. Penso que deve-se ter uma preocupação maior em fiscalizar os cursos de psicanálise e impor limites no tratamento”, alerta o profissional. 

“Nós, humanos, como seres sociais, temos que ser sempre críticos com tudo, e penso que poderíamos, sim, explorar mais a psicanálise na ciência. Mas, usando a lógica, posso dizer que sempre existirá esse impasse.”

Há controvérsias…

Se para Agrela, há um impasse para afirmar a psicanálise como ciência, há quem diga que isso não deveria nem ser uma discussão.
Um artigo de opinião publicado na Folha de S. Paulo, escrito por Sidarta Ribeiro, neurocientista, fundador e professor titular do Instituto do Cérebro da UFRN e pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, e Mário Eduardo Costa Pereira, Professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unicamp, bate de frente com esses argumentos. 

Os autores do artigo apontam que falta embasamento factual para afirmar que a psicanálise não passa por testes científicos, especialmente quando uma consulta à Cochrane Library revela 670 pesquisas, incluindo 188 dedicadas à eficácia das psicoterapias psicodinâmicas, entre os anos 2000-23.

Eles citam também que, recentemente, a revista World Psychiatry apresentou uma metanálise que respalda as psicoterapias psicodinâmicas como um tratamento empíricamente efetivo para transtornos mentais comuns. Artigos em periódicos renomados, como Lancet Psychiatry e American Journal of Psychiatry, também comprovam essa eficácia.

Segundo os cientistas, os autores do livro também parecem ignorar estudos neurobiológicos de 2004 e 2007, publicados na revista Science, que exploram alguns mecanismos neurais importantes do conceito psicanalítico. Além disso, o artigo destaca que os autores foram omissos em relação a outros estudo, como os presentes em revistas conceituadas (Science, Nature e Nature Communications), que mostra que as representações linguísticas no cérebro estão alinhadas com as hipóteses psicanalíticas de Freud.

Os escritores do artigo concluem dizendo que, embora o livro seja eficaz na venda, não contribui para enriquecer o debate, destacando a importância de respeitar a diversidade e relevância de saberes como a psicanálise.