O negacionismo climático é uma pauta que já vem sendo discutida há algum tempo. Mas que ganhou ainda mais força após as fortes chuvas que devastaram quase todo o Rio Grande do Sul em maio deste ano. O estado foi atingido pela pior catástrofe natural de sua história. E o que mais gera revolta é que esta foi uma tragédia anunciada, mas ignorada pelos grupos que dizem não acreditar nas evidências científicas sobre as mudanças climáticas: os negacionistas. Eles defendem, principalmente, que o aquecimento global não tem ligação com a ação humana.
Os reais interesses por trás do negacionismo climático
A princípio, podemos entender que os negacionistas sejam negadores da ciência, que tenham críticas epistemológicas à ideia de “verdade científica”, mas não é bem por aí, não. Na verdade, o negacionismo climático geralmente se dá por grupos com interesses específicos – ou que são financiados pelos interesses econômicos – como das indústrias de petróleo e gás, dos interessados em desmatamento, em exploração desregrada de florestas, da pecuária e da agricultura ambiciosa, da grilagem, etc.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, afirma que a principal motivação por trás dessa refutação se dá, em sua maioria, “por interesses econômicos que se vêm contrariados diante de medidas econômicas impostas pela sustentabilidade, e pela legislação mais progressista de proteção ao meio ambiente”.
Quem são os maiores interessados no negacionismo climático
Ainda segundo o especialista em gestão ambiental, os principais grupos ou indivíduos que costumam promover o negacionismo climático são políticos de extrema direita ligados ao agronegócio, à indústria dos combustíveis fósseis e à mineração, por exemplo. “No Brasil, nota-se a composição negativa do Congresso Nacional, composto por cerca de 60% dos representantes oriundos do agronegócio e que atuam para abrandar legislações de proteção ambiental em defesa de seus interesses particulares”, pontua.
Aqui, também podemos citar os envolvidos com as Indústrias de Combustíveis Fósseis, organizações e Think Tanks Conservadores, políticos e partidos políticos conservadores, mídia conservadora, entre outros. Os Think Tanks são organizações responsáveis por realizar pesquisas, estudos, relatórios e eventos para promover debates sobre temas de interesse público.
A influência impede ações de cuidado
Também é preciso sinalizar que houveram mudanças no discurso negacionista ao longo dos últimos anos, como explica Edson Grandisoli, Embaixador e coordenador pedagógico do Movimento Circular. “Mudou-se à medida que novas evidências que relacionam as atividades humanas ao aquecimento do planeta e mudanças no clima surgiram. Mas ainda existem grupos muito influentes que procuram desviar o olhar da população para as reais causas e consequências das mudanças do clima, e muitos ainda ocupam cargos em governos e postos de tomada de decisão, como na criação de linhas de financiamento, por exemplo.”
E é aí que está o maior e mais perigoso problema da ascensão do discurso negacionista. Já que, devido à forte influência desses grupos, seus posicionamentos interferem diretamente em como a população compreende as mudanças do clima. “Por consequência, isso impede a implementação de políticas efetivas para mitigar seus efeitos. Pois atrasam a ação e a mobilização global necessárias para enfrentar o problema”, complementa Edson Grandisoli.
As frases mais ditas pelos negacionistas
Edson afirma que as alegações mais divulgadas por esse grupo que nega as alterações climáticas são muitas e variadas. Abaixo, ele cita e explica algumas das mais populares:
“O aumento da temperatura média do planeta é natural”: Afirmam que o aquecimento do planeta é parte de um ciclo natural da Terra e não é causada pela atividade humana, o que já foi refutado pelos cientistas.
“Os modelos climáticos atuais não são confiáveis”: Criticam os modelos climáticos, dizendo que são imprecisos e não conseguem prever com precisão o clima futuro. Os modelos já evoluíram muito desde a década de 1970-1980, e sua capacidade de previsão aumentou significativamente.
“Esse movimento faz parte de uma conspiração política e econômica”: Alguns afirmam que a mudança climática é uma farsa criada por interesses políticos ou econômicos. Ou que as políticas climáticas são uma forma de controle social.
“É importante reforçar que já existe um consenso na comunidade científica de que as mudanças do clima têm sua origem nas atividades humanas. Em especial relacionadas à obtenção de energia, mudanças do uso da terra e agropecuária.”
É tudo sobre impor uma ideologia
Ou seja, é possível entender que o movimento de negacionismo climático não está direcionado à discursos sobre a ciência em si. Mas sim às preocupações ideológicas, políticas, econômicas, com a visão sempre voltada ao dinheiro e ao poder. Afinal, não há nada de errado em refutar as certezas científicas. Visto que a própria ciência se transforma e evolui exatamente porque é capaz de criticar a si mesma.
Sendo assim, o foco dos negacionistas não é negar a ciência. Mas sim se opor às estratégias que buscam resolver problemas coletivos que ameaçam seu modo de vida, conforto financeiro ou liberdade econômica. “Semear dúvidas sobre o aquecimento global dificulta a necessária mudança de comportamento da sociedade, que deixa de exercer pressão social mais efetiva sobre tomadores de decisão, agentes do mundo econômico ou até mesmo de escolher de forma adequada seus representantes no mundo político”, reflete Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental.
O terror das fake news que reforçam o negacionismo climático
As fake news e a onda de desinformação que tem se tornado cada vez mais fortes no Brasil, tem prejudicado diretamente a real compreensão da realidade climática no mundo e no lugar onde se está, o que impede ou dificulta um posicionamento mais crítico e proativo na busca coletiva por soluções. “A má informação busca favorecer grupos específicos, confundindo, dividindo opiniões, criando polarizações e desacreditando a ciência, o que contribui para o espalhamento e fortalecimento dessa prática”, alerta Edson Grandisoli, Embaixador e coordenador pedagógico do Movimento Circular.
Como tentar mudar esse cenário
Para lutar contra a desinformação, Edson lista algumas estratégias eficazes para combater – ou ao menos minimizar – os efeitos e proliferação do negacionismo climático.
- Educação Climática em todas as etapas de ensino de forma permanente e transversal.
- Comunicação de qualidade, simples, precisa e acessível, especialmente aquela realizada entre os cientistas e a população de forma geral, mediada ou não pela mídia.
- Treinamento de jornalistas, garantindo formação em ciência climática, ajudando-os a compreender e comunicar melhor os tópicos relacionados ao clima.
- Engajamento público, por meio da organização de eventos, nos quais a comunidade científica possa interagir diretamente com diferentes comunidades.
“O engajamento de influenciadores também pode ser um bom caminho para disseminar boa informação”, finaliza o profissional.