O novo modelo colabora com o bem-estar do trabalhador sem afetar a produtividade. Testes começarão em novembro no Brasil
“Estamos presos em um modelo de trabalho do século XIX, estando no século XXI”, disse Andrew Barnes, CEO da Perpetual Guardian – empresa neozelandesa que gerencia aditivos, testamentos e propriedades – em seu Ted Talk intitulado The Four-Day Week. Mas o que isso significa?
O modelo de cinco dias de trabalho surgiu em meados dos anos 20. Quando a montadora estadunidense Ford instituiu essa carga semanal visando aumentar a produtividade e reduzir o absenteísmo – falta de cumprimento das obrigações. Com o crescimento da indústria e a popularização dessa forma de produção, a tendência se estabeleceu e permaneceu até os dias de hoje. Porém, isso pode estar prestes a mudar.
A nova proposta
Imagina você poder prolongar o fim de semana incluindo nele a sexta-feira ou a segunda. Ou, quem sabe, até mesmo ter um descanso na quarta-feira, no meio da semana. Esses três casos são opções possíveis para a iniciativa chamada 4 Day Week Global, criada em 2019. E que tem ganhado cada vez mais força desde a pandemia da Covid-19.
O objetivo é propor uma redução na carga de trabalho para 32 horas semanais, sem afetar o pagamento e nem o desempenho dos funcionários. Trata-se do princípio 100 – 80 – 100, ou seja, 100% do salário, 80% do tempo e 100% da produtividade.
Semana de 4 dias no Brasil
20 empresas brasileiras vão participar dos testes pilotos que vão começar em novembro e terão duração de seis meses. Depois desse período, cada companhia poderá decidir se mantém a forma de trabalho ou não. Mas vamos aos fatos sobre o que realmente podemos esperar dessa mudança que afetará tantos trabalhadores.
Em primeiro lugar, precisamos considerar que o Brasil não é o pioneiro a realizar esses testes. Países como Nova Zelândia, Islândia, Espanha, Dinamarca, França e Reino Unido passaram pela experiência e, no fim, aderiram à semana de 4 dias de trabalho. No Reino Unido, por exemplo, 92% das empresas que testaram, decidiram seguir com o modelo. Que proporcionou uma redução de 71% dos sintomas de burnout e aumento de 2% da receita.
E na prática, semana de 4 dias vai funcionar?
Tudo indica que sim! Mas quais impactos essa mudança teria na vida dos trabalhadores? De acordo com a psicóloga, terapeuta clínica e palestrante, Luana Couto, o único risco em relação à redução da semana de trabalho estaria ligado à falta de organização. “O nível de estresse pode aumentar, caso as demandas e atividades não sejam ajustadas”, explica a profissional. Ela também destaca a orientação e liderança adequadas como solução para esses casos.
“É importante que haja sempre alinhamento entre desafios e metas em relação ao tempo necessário para dedicação na execução. Para começar, as empresas podem aplicar práticas de gestão que garantam o cumprimento do horário de trabalho formal e que controlem a questão de volume de demandas.”
A psicóloga reforça que de nada adianta aderir ao novo modelo, sem colocar em prática o ideal buscado por ele. “Por incrível que pareça, estamos em um momento onde algumas práticas são faladas e não vividas. Ainda existem pessoas que afirmam se constranger por sair no horário certo. O que muda a cultura é a consistência nos padrões”, pontua.
O foco precisa ser o bem-estar
Luana chama a atenção para um fator sustentado pela semana de 4 dias de trabalho que hoje é aplicado por poucas empresas: prezar pela qualidade de vida do colaborador dentro e fora da empresa. “Há diversos estudos que comprovam que a estratégia de ‘fazer mais a qualquer custo’ e que pressionar as pessoas para exigir o máximo, não faz sentido. Pessoas realizadas nos pilares da vida pessoal, com tempo para atividades de prazer, que têm horários e demais acordos respeitados, produzem melhor, se dedicam à carreira, valorizam mais o trabalho que a respeitam e tendem a agir como intraempreendedores”, esclarece.
Porém, a psicóloga aponta que cada profissional carrega consigo um repertório pessoal construído ao longo da carreira, portanto, poderá lidar com a mudança de forma diferente em relação a outros colegas. “Para alguns, num primeiro momento, a redução de um dia útil pode afetar a programação de atividades e inclusive desencadear alguns sintomas mencionados nos casos de burnout. Sintomas isolados não configuram necessariamente gravidade se tratados tempestivamente, seja com o apoio profissional de saúde, como o psicólogo, seja em conjunto com ações da própria empresa para se reorganizar. O importante é redobrar a atenção na fase de transição.”
Cabe à empresa garantir o sucesso da mudança
Para a especialista, é papel da corporação conduzir essa transição de maneira tranquila e transparente, sempre atentos aos impactos causados principalmente sobre as necessidades dos funcionários. “A empresa deve falar amplamente sobre a mudança, alinhar expectativas, estabelecer apoio para gestores e colaboradores poderem discutir com liberdade o replanejamento de atividades. Também pode estabelecer métricas de mensuração voltadas, por exemplo, à aderência da jornada formal de trabalho, pesquisas que visam capturar feedbacks dos funcionários antes, durante a mudança e depois para avaliar como percebem e se sentem em relação à nova rotina, entre outras coisas.”
Por fim, Luana conclui dizendo que o zelo para com os trabalhadores é a chave para fazer dar certo. “Ter o ouvido atento permite que a empresa consiga atuar de forma preventiva e mantenha espaço aberto para que os colaboradores se sintam ouvidos e acolhidos.”