Crimes bárbaros: O que leva alguém a cometer este ato? Foto: Pixabay

Não há quem não se choque com os crimes bárbaros, que com certa frequência roubam a cena nos noticiários do Brasil e do mundo. Assassinatos cruéis, chacinas e outras formas de violência extrema não são apenas tragédias individuais. Mas fenômenos que podem levantar questões profundas sobre a natureza humana e os limites da crueldade. Para compreender o que leva uma pessoa a cometer atos tão brutais, a psiquiatra Danielle H. Admoni, pesquisadora e supervisora na residência de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), de forma resumida aponta que não existe uma resposta simples, mas sim uma combinação de fatores que podem ser biológicos, psicológicos e sociais.

Fatores cerebrais que originam os crimes

Um ponto central para – começar – a entender a mente de quem comete crimes tão bárbaros é a estrutura e o funcionamento do cérebro. Estudos neurocientíficos indicam que o córtex pré-frontal, área responsável pela tomada de decisões, inibição e planejamento, frequentemente apresenta anormalidades em pessoas que praticam violência extrema. “Essas pessoas tendem a ter um desenvolvimento menos completo nessa área do cérebro. O que significa que têm menos capacidade de inibir impulsos e controlar comportamentos agressivos”, explica Danielle. Essa disfunção do córtex pré-frontal, por sua vez, compromete a regulação das emoções e o controle da impulsividade, o que leva a reações desproporcionais e, muitas vezes, violentas.
Além disso, a amígdala, outra região do cérebro associada às emoções, pode ser hiperestimulada nesses indivíduos, intensificando os sentimentos como raiva e agressividade. “A amígdala, quando hiperativada, pode levar a comportamentos agressivos e extremos”, afirma a especialista. Essa combinação entre um córtex pré-frontal menos desenvolvido e uma amígdala hiperestimulada cria um terreno fértil para atos de violência impulsiva. Contudo, a médica adverte que essa explicação neurobiológica é apenas parte do quadro: “Há também uma teoria sobre um desbalanço de neurotransmissores, mas ela ainda não é totalmente comprovada.”

O papel do ambiente e das experiências

Embora a biologia ofereça algumas pistas sobre o comportamento violento, ela está longe de ser a única explicação. De acordo com Danielle, fatores ambientais e socioculturais têm um impacto significativo na predisposição de uma pessoa para a violência. “O ambiente social e cultural em que a pessoa foi criada é fundamental. Se ela cresceu em um ambiente violento, com histórico de abusos físicos, morais ou sexuais, isso aumenta a probabilidade de comportamentos violentos no futuro”, ressalta. Experiências traumáticas, como o bullying ou o convívio com grupos violentos também podem influenciar negativamente o comportamento de uma pessoa, tornando-a mais suscetível a cometer atos extremos.

A família

A psiquiatra também chama atenção para o papel do contexto familiar. “Crianças que crescem em famílias onde a violência é normalizada têm maior tendência a adotar comportamentos agressivos na vida adulta. O abuso, seja ele físico, emocional ou sexual, deixa marcas profundas e pode ser um gatilho para o desenvolvimento de transtornos de personalidade, como o transtorno de conduta ou transtorno antissocial”, explica.
Danielle menciona ainda que a desnutrição e a privação de sono são outros fatores que podem influenciar o comportamento violento, afetando a função cognitiva e a capacidade de controle emocional. “Alguns estudos sugerem que a desnutrição pode levar a uma diminuição da cognição e, com isso, afetar o controle dos impulsos. A falta de sono também desempenha um papel importante, pois compromete a capacidade de tomar decisões racionais e lidar com o estresse.”

Outro agravador: o uso de substâncias

Outro fator determinante que muitas vezes aparece em crimes bárbaros é o uso de substâncias psicoativas. “O uso de drogas e álcool pode desinibir uma pessoa e amplificar comportamentos impulsivos. Sob efeito dessas substâncias, alguém que normalmente não agiria de forma violenta pode acabar cometendo um crime”, diz a psiquiatra. O álcool, por exemplo, é um desinibidor potente que diminui as barreiras de autocontrole e aumenta a impulsividade. “Se você já tinha uma inclinação, mesmo que pequena, para cometer um ato agressivo, o uso de drogas ou álcool pode servir como gatilho para que isso aconteça”, destaca.
A relação entre substâncias e violência não é apenas comportamental. Fisiologicamente, o uso crônico de certas drogas pode alterar o funcionamento do cérebro, intensificando características que predispõem à violência. “A exposição prolongada a substâncias psicoativas, como o álcool e drogas ilícitas, pode causar mudanças permanentes no cérebro, afetando áreas ligadas ao controle dos impulsos e ao julgamento”, observa Danielle.

Transtornos de personalidade e doenças mentais

Transtornos de personalidade, como o transtorno antissocial, também são frequentemente associados a comportamentos violentos. Pessoas que sofrem com esse transtorno tendem a ter uma falta de empatia e remorso, o que facilita a execução dos tais atos cruéis. No entanto, é importante distinguir entre transtornos de personalidade e doenças mentais graves, como a psicose. Enquanto o transtorno antissocial é um padrão de comportamento ao longo da vida, a psicose pode envolver uma desconexão temporária com a realidade, o que pode, em casos extremos, resultar em atos violentos. “Casos de violência cometidos por pessoas em estados psicóticos graves são raros, mas quando ocorrem, geralmente envolvem uma ruptura com a realidade, como delírios ou alucinações que levam a pessoa a agir de forma extrema”, ressalta a psiquiatra.

Existe gene da violência para os crimes?

A ciência também tem investigado se existe uma predisposição genética para comportamentos violentos. “Alguns estudos sugerem que certos genes podem estar ligados a comportamentos impulsivos e agressivos, mas o gene por si só não é suficiente para determinar o comportamento de uma pessoa”, afirma Danielle. Ela explica que, mesmo que uma pessoa tenha uma predisposição genética para a violência, o ambiente em que ela foi criada e as experiências que teve ao longo da vida são fundamentais para moldar seu comportamento. “O gene pode ser um fator, mas é o ambiente social e familiar que vai determinar se essa predisposição se manifestará ou não.”
O caso de Elize Matsunaga, por exemplo, envolve uma combinação de muitos desses fatores. Em 2012, ela assassinou e esquartejou o marido, Marcos Matsunaga, em um crime que chocou o país pela sua brutalidade. Embora ela tenha alegado ter agido sob intenso estresse emocional após descobrir uma traição de Marcos, o crime sugere que fatores psicológicos e emocionais profundos também estavam em jogo. 

Crimes bárbaros podem surgir de uma combinação de fatores

Como ressalta Danielle Admoni, o comportamento humano é o resultado de uma interação complexa entre biologia, psicologia e ambiente. “Quando falamos de crimes bárbaros, precisamos entender que cada caso é único e envolve uma confluência de fatores. Não é apenas o cérebro, o ambiente ou o uso de substâncias – é a combinação de tudo isso que, em determinadas circunstâncias, pode levar uma pessoa a cometer um ato extremo.”
A psiquiatra finaliza destacando que, embora a ciência tenha avançado na compreensão dos fatores que influenciam a violência, ainda existem muitas áreas nebulosas sobre o assunto. “Ainda temos muito a aprender sobre o que leva uma pessoa a cometer crimes bárbaros. Precisamos de mais pesquisas, especialmente no campo da neurociência, para entender melhor como o cérebro funciona em situações de estresse extremo e violência.”