Ondas de calor, inundações, furacões: são várias as manifestações da natureza quando o assunto é o clima do planeta, ou melhor, a mudança deles. Nas últimas décadas, esses efeitos têm transformado fenômenos meteorológicos em eventos extremos, com grande impacto social e acontecendo com maior frequência. E é muito importante lembrar: desastre climático é diferente de desastre natural.
Os desastres climáticos têm mão do homem
“Deixa de ser natural porque atribui-se causalidade à ação humana que alterou o clima”, explica Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental. Mas os desastres naturais também existem e ocorrem ocasionalmente. Estes, inclusive, estão sendo diretamente potencializados pelas mudanças climáticas. “Como é o caso da maior incidência de ciclones extratropicais na costa atlântica do Brasil”, acrescenta Carlos.
Os tipos de desastres climáticos
Segundo os dados da Faculdade de Saúde Pública da USP, existem seis tipos principais de eventos climáticos extremos, que são de origem ‘natural’, mas podem ter sua força impactada pela ação humana. São eles:
- Estiagem e seca;
- Incêndios florestais;
- Ondas de calor e de frio;
- Inundações e enchentes;
- Deslizamentos de terra;
- Ciclones, tornados e vendavais.
Esses acontecimentos têm o potencial de causar, entre outras coisas, perdas agrícolas, desabastecimento e contaminação de água, cortes de luz e proliferação de doenças, como detalha o estudo da USP.
Classificação dos eventos
O Observatório de Clima e Saúde da FioCruz explica que a classificação dos eventos climáticos e meteorológicos extremos depende da forma como originiam-se. De acordo com a instituição, pode-se classificas esses eventos da seguinte maneira:
- Origem hidrológica: incluem inundações bruscas e graduais, alagamentos, enchentes e deslizamentos.
- Origem geológica ou geofísica: relacionados a processos erosivos, movimentação de massa e deslizamentos decorrentes de processos geológicos ou fenômenos geofísicos.
- Origem meteorológica: abrange raios, ciclones tropicais e extratropicais, tornados e vendavais.
- Origem climatológica: refere-se a estiagens e secas, queimadas e incêndios florestais, chuvas de granizo, geadas e ondas de frio e calor.
Exemplos de piora mais recentes
Carlos Bocuhy cita dois exemplos de desastres climáticos que são, de certa forma, fenômenos da natureza, mas que foram extremamente potencializados pelas ações de devastação humana ao longo dos anos. “As secas que historicamente ocorrem de tempos em tempos, passam a ocorrer de forma mais constante e intensa. Como as que têm atingido a região do Pantanal e do Pampa gaúcho. As chuvas que atingiram o litoral paulista, em São Sebastião, muitas vezes eram intensas e provocavam estragos dentro de uma série histórica, mas a precipitação que ocorreu no ano passado ultrapassou limites da série histórica, demonstrando, por seu volume extremo, que há outros fatores climáticos atuais que agravam a situação.”
Com o aumento da temperatura global, a ocorrência de eventos climáticos extremos tende a crescer. Em 2023, o planeta registrou seu ano mais quente da história, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM). “O aquecimento global já atinge perto de + 1,2ºC, e este valor, somado ao efeito do El Niño, ultrapassou em 2023 a marca de + 1,5ºC. que é considerada um limite de segurança, segundo o Acordo de Paris”, alerta o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental.
“Há observação, da parte de cientistas, de que os impactos das mudanças climáticas estão se apresentando com maior gravidade do que se esperava.”
Regiões mais afetadas pelas mudanças
A OMM também destacou que 2023 foi um ano de riscos climáticos recordes na América Latina e no Caribe. Um relatório publicado em 8 de maio de 2024 afirmou que, por serem influenciados pelos oceanos Pacífico e Atlântico, o clima na região é fortemente afetado pelas temperaturas da superfície do mar e pelas interações entre a atmosfera e o oceano, como o fenômeno El Niño.
No Brasil, foram registrados 12 eventos climáticos extremos em 2023, dos quais nove foram considerados incomuns e dois sem precedentes. Entre os eventos reportados para a OMM estão cinco ondas de calor, três chuvas intensas, uma onda de frio, uma inundação, uma seca e um ciclone extratropical. Além disso, vimos, neste ano, o estrago causado pelas fortes chuvas e inundações que atingiram o estado do Rio Grande do Sul, também potencializadas pela ação do homem e pela falta de preparo dos mesmos para lidar com eventos climáticos extremos.
Consequências e obstáculos
Dentre as consequências que os desastres podem trazer às regiões atingidas estão seca ou calor extremo, chuvas fortes que provocam danos à área rural, à lavoura, ao solo, às cidades e à biodiversidade, o que atinge também as comunidades, especialmente as populações mais vulneráveis.
Infelizmente, a influência de discursos conservadores e negacionistas faz com que muitas pessoas, principalmente no Brasil, fechem os olhos para a proporção que eventos climáticos podem causar. Isso porque, existem grupos que rejeitam os avisos da ciência em favor de interesses próprios, especialmente econômicos e políticos, o que acaba por atrasar e até impedir ações vitais contra as mudanças climáticas perigosas. Para isso, descredibilizam especialistas, estudos e relatórios e preferem divulgar as famosas fake news, em nome da proteção de sua ambição.
Segundo Carlos Bocuhy, a desinformação é fator preponderante para obstaculizar que boas políticas públicas sejam criadas. “Hoje ocorre grande número de eventos climáticos extremos e isso está convencendo a população da forma mais dura possível, pois são muitos os que são impactados de uma forma ou de outra”, pontua.
Quem deveria se responsabilizar pelos desastres climáticos, não o faz
Tendo esse panorama em vista, o especialista em gestão ambiental considera que os principais desafios na sociedade ou política atual para a gestão desses desastres incluem a ausência de algumas iniciativas: vontade política, política nacional de adaptação climática com mapeamento preciso de áreas de risco, obras estruturais, relocação de populações em áreas inundáveis e sujeitas a deslizamentos, sistema de atenção à saúde, especialmente diante de episódios de calor extremo, fortalecimento da defesa civil, capacidade de alerta-resposta por parte da comunidade. “A ONU tem defendido o sistema de Alerta Precoce, como uma das principais medidas para salvar vidas humanas de desastres climáticos”, acrescenta o profissional.
A ciência precisa de força para lutar
Mesmo que desacreditado por algumas pessoas, o papel da Ciência é fundamental, tanto para diagnosticar o processo de aquecimento global e propor soluções; quanto para mapear vulnerabilidades e prever eventos extremos. Carlos Bocuhy reflete sobre algumas iniciativas de adaptação que visam, de forma preventiva, amenizar os impactos dos eventos extremos, com sistemas de alertas meteorológicos e também possibilidade de resposta adequada por parte da comunidade, de modo a garantir sua sobrevivência. “As estratégias de mitigação são sempre globais, na tentativa de reverter os índices de gases Efeito Estufa (GEE) presentes na atmosfera, que seriam suportáveis até 350 ppm, mas hoje estão em valor de 428 ppm.”
Além disso, ele reforça como a predominância dos interesses econômicos são obstáculos difíceis de serem superados no atual cenário brasileiro. “A diminuição das emissões de queima de combustíveis fósseis também é fundamental, mas os interesses econômicos são muito fortes e o lobby das indústrias de petróleo e gás – e dos petroestados – dificultam os avanços, inclusive os acordos das cúpulas climáticas globais”, afirma.
Que façamos nossa parte!
Apesar de um cenário complicado, é nosso dever lutar pela preservação do meio ambiente da forma que for possível. Para isso, é preciso buscar informações em entidades que têm bagagem e propriedade para tratar de assuntos como os desastres climáticos. “Um dos maiores elementos para isso são os quadros do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), que agrega centenas dos mais renomados especialistas e instituições científicas de quase todas as nações-membro das Nações Unidas – e que tem se manifestado, em unanimidade, sobre a realidade científica do aquecimento global”, conclui Carlos Bocuhy.
Onde buscar dados e informações
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
Relatórios e estudos científicos sobre mudanças climáticas e seus impactos
IPCC Reports
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Dados e pesquisas sobre clima e mudanças ambientais
Organização Meteorológica Mundial (OMM)
Informações sobre clima, tempo e água.
World Meteorological Organization
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)
Relatórios e iniciativas globais sobre meio ambiente e sustentabilidade
Agência Nacional de Meteorologia (INMET)
Monitoramento e previsão do tempo no Brasil
INMET
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
Pesquisas sobre desmatamento, clima e meio ambiente