Psicodélicos: conheça seus potenciais terapêuticos Foto: Shutterstock

Os potenciais terapêuticos de algumas substâncias têm ganhado destaque nas pesquisas mais recentes da ciência

Não é de hoje que se discute sobre os benefícios para saúde de alguns psicodélicos. A disseminação da cultura proibicionista no mundo, que cresceu bastante a partir dos anos 70 com a política conservadora reforçada pela lei antidrogas do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, desacelerou o avanço dessas descobertas. Na época, Nixon declarou que o ‘uso abusivo de drogas era o principal inimigo dos Estados Unidos’, a partir daí, instaurou-se, culturalmente, a chamada “Guerra às drogas” – sistema muito questionado por sua falta de critério e de princípios básicos para, de fato, ter alguma influência sobre o problema do vício.

Mas foi a partir dos anos 2000 que a atenção dos cientistas voltou a essas substâncias, e cada vez mais podemos contar com resultados revolucionários para problemas como depressão, traumas, vícios e outros distúrbios. Renato Filev, pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, é um dos destaques da ciência atual ao apontar, por meio de seus projetos de pesquisa, as modificações dos processos fisiológicos e mentais causados pela ação destas substâncias. Essa característica permite reflexões sobre a vida em um estado alterado de consciência, oferecendo uma perspectiva diferente do padrão comum. Segundo os estudos de Filev, as alterações na consciência representam um aumento das conexões sinápticas, formação de novos neurônios, mudanças na percepção sensorial e na capacidade cognitiva de memórias e aprendizado.

O que são, de fato, os psicodélicos?

São substâncias capazes de alterar o estado de consciência. As substâncias psicodélicas incluem bebidas ou substâncias naturais, como os cogumelos ‘mágicos’ e a ayahuasca, e substâncias sintéticas, como o MDMA e o LSD. Diversas pesquisas já mostraram que drogas como DMT, LSD, psilocibina e mescalina, por exemplo, agem no cérebro ligando-se a receptores de serotonina (substância responsável pela sensação de prazer e bem-estar). Ao agir sobre esses receptores, temos os efeitos alucinógenos e a alteração na percepção.

Alguns estudos indicam que a ação dos psicodélicos nas ligações neuronais podem ‘’amortecer’’ algumas regiões no cérebro que são responsáveis pelo que chamamos de ‘’piloto automático’’ – aquelas coisas que fazemos e repetimos corriqueiramente sem perceber. Alguns cientistas apontam que essa área do cérebro pode se tornar extremamente rígida em casos de sofrimento por ansiedade ou depressão e, quando silenciadas pelo efeito das substâncias, podemos observar diferentes interconexões no cérebro, resultando na flexibilização psicológica e na alteração do senso de perspectiva.

Os cogumelos mágicos

O médico Vital Fernandes Araújo, pós-graduado em Psiquiatria e Medicina Ortomolecular, explicou que os efeitos terapêuticos da psilocibina – princípio ativo dos ‘cogumelos mágicos’ e do LSD, também conhecidos como ‘doce’ ou ‘ácido’ – se devem a vários mecanismos neurobiológicos. “A psilocibina é um alcalóide agonista serotoninérgico, ou seja, ela ativa os receptores de serotonina no cérebro. Isso pode levar a uma série de efeitos psicológicos, incluindo alterações na percepção, humor e consciência”, conta o especialista, que complementa outros pontos importantes. “Além disso, estudos sugerem que a psilocibina pode estimular a neurogênese, que é a geração de novos neurônios no cérebro adulto”.

No caso do LSD, o médico explica que a substância também é conhecida por estimular os receptores de serotonina e que isso pode resultar em efeitos semelhantes aos da psilocibina. “Esses mecanismos podem contribuir para os efeitos terapêuticos dessas substâncias em condições como depressão resistente a tratamentos farmacológicos convencionais, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e abuso de drogas”, justifica.

As conexões neuronais

No livro Como mudar sua mente do jornalista Michael Pollan, ele conta que recebeu um e-mail de Paul Stamets – microbiologista e um dos defensores mais fervorosos do uso de psicodélicos – no qual o cientista diz que a ingestão da psilocibina foi capaz de fazer com que o cérebro dos hominídeos desenvolvesse pensamento analíticos. Estudos mais recentes mostram que a psilocibina aumenta as conexões neuronais em várias áreas do cérebro, em quantidades muito maiores do que em situações normais.

Ainda de acordo com uma reportagem publicada no Viva Bem, segundo o neurocientista Dráulio Barros de Araújo, professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), essa observação do aumento das conexões neurais dá margem a várias teorias. Uma delas é de que as substâncias psicodélicas podem fazer com que o cérebro trabalhe de maneira mais livre, o que pode interferir na criatividade e proporcionar experiências que não seriam possíveis na atividade cerebral corriqueira.

Como os psicodélicos agem no cérebro?

De acordo com Araújo, algumas das principais áreas cerebrais afetadas pelos psicodélicos e que podem contribuir para seus efeitos terapêuticos são:

Córtex pré-frontal: esta área está envolvida em funções executivas como planejamento, tomada de decisão e regulação emocional. Os psicodélicos reduzem a atividade nesta parte, o que pode levar a uma maior flexibilidade de pensamento e controle emocional reduzido;

Rede neural padrão: essa rede conecta áreas do cérebro envolvidas em memória, senso do “eu” e processamento de informações. Os psicodélicos desestabilizam essa rede, o que pode explicar as alterações de percepção, pensamento e emoções durante as experiências psicodélicas;

Hipocampo e amígdala: essas áreas são importantes para memória e processamento emocional. Os psicodélicos aumentam a neuroplasticidade e conectividade nestas regiões, o que pode melhorar a integração emocional;

Córtex cingulado posterior: esta área está envolvida na ruminação, pensamentos obsessivos e depressão. Os psicodélicos reduzem a atividade nesta região, possivelmente explicando seus efeitos antidepressivos.

“Ao afetar áreas cruciais para funções cognitivas, emocionais e de processamento de informações, os psicodélicos podem ajudar a reorganizar padrões neurais disfuncionais subjacentes a transtornos como depressão, ansiedade e vício”, enfatiza o médico.

Principais psicodélicos na mira dos cientistas

  • MDMA (metilenodioximetanfetamina)

Sintetizado pela primeira vez em 1912, o MDMA é uma substância psicotrópica também conhecida como ‘ecstasy’ ou ‘droga do amor’. Foi um sucesso na década de 1980, mas acabou sendo proibida e reprimida junto com o crescimento da política antidrogas.

Potencial benéfico: comprovadamente benéfica para o tratamento do estresse pós-traumático (TEPT), deve ser aprovada em breve nos Estados Unidos para fins psicoterapêuticos.

  • LSD

O LSD (dietilamida do ácido lisérgico) é uma substância sintética que guarda semelhança com uma substância química encontrada no cogumelo Claviceps purpurea. Internacionalmente reconhecido como o alucinógeno sintético mais famoso, o LSD foi sintetizado pela primeira vez em 1938 pelo químico suíço Albert Hofmann, durante seus estudos sobre o potencial terapêutico dos alcaloides.

Potencial benéfico: age diretamente na amígdala do cérebro – região ligada ao medo, traumas e instinto de sobrevivência – impedindo sua hiperestimulação. 

  • Psilocibina

Princípio ativo dos famosos ‘’cogumelos mágicos’’, que podem ser ingeridos in natura ou ressecados, em chás, smoothies, trufas, ou até encapsulados – como acontece no caso das micro dosagens.

Potencial benéfico: pesquisas estudam seu potencial de cura para depressão, ansiedade e vícios como o tabagismo e o alcoolismo.

  • Ibogaína

Obtemos essa substância da planta africana iboga. Originalmente, trituramos a planta e a utilizamos em rituais da etnia bwiti, nativa de países africanos como Gabão e Camarões (e também presente no Brasil). Para fins terapêuticos, sintetizamos a substância e a ingerimos em cápsulas.

Potencial benéfico: os estudos ainda estão em fase inicial, mas acredita-se que a ibogaína possa auxiliar na fissura e na abstinência de dependentes químicos.

Diferença entre naturais e sintéticos

Araújo também nos contou que existem algumas diferenças importantes entre os psicodélicos naturais, como a psilocibina, e sintéticos, como o LSD e MDMA, em termos de seus efeitos terapêuticos.

– Duração dos efeitos: os efeitos da psilocibina geralmente duram de 4 a 6 horas, enquanto o LSD pode durar de 8 a 12 horas. Isso pode influenciar a experiência terapêutica;

– Potência: o LSD é significativamente mais potente que a psilocibina. Doses terapêuticas de LSD são medidas em microgramas, enquanto a psilocibina é medida em miligramas;

– Efeitos físicos: a psilocibina tende a causar mais efeitos gastrointestinais como náusea, enquanto o LSD tem efeitos físicos mais suaves;

– Conteúdo da experiência: as experiências com psilocibina são descritas como mais “orgânicas”, místicas e espiritualmente conectadas. O LSD é mais estimulante, com efeitos mais analíticos;

– Segurança: ambas as substâncias têm um perfil de segurança favorável quando usadas em ambiente controlado. Mas o LSD tem mais potencial de causar reações adversas prolongadas.


Portanto, conclui o psiquiatra, “enquanto ambas podem ser psicoterapêuticas, a psilocibina pode oferecer uma experiência mais curta, suave e espiritualmente conectada para muitos pacientes. Mas o LSD também mostrou resultados promissores e tem sua própria utilidade clínica única.”

Vantajoso para quem?

Recentemente, a MAPS (Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos), realizou testes com MDMA tendo os veteranos de guerra – população mais afetada pelo TEPT (estresse pós-traumático) e com altos índices de suicídio – como grupo prioritário das pesquisas, e os resultados foram surpreendentes. 61% dos pacientes não apresentaram mais sintomas da doença após 10 sessões com 3 aplicações da substância. Um ano depois, pesquisadores realizaram o mesmo estudo e a taxa de sucesso subiu para 68%.

Porém, o êxito desses resultados esbarra no desafio em bater de frente com o monopólio da indústria farmacêutica. Afinal, para quem seria vantajoso um medicamento que precisa de apenas três aplicações para surtir efeito de cura? Esse ponto é muito importante para discutir, já que muitos remédios utilizados em tratamentos de saúde mental causam dependência.

São testes! É preciso ter cautela

Apesar dos resultados empolgantes, não podemos negligenciar esse tema. Mesmo com os avanços feitos da ciência acerca dos potenciais de cura das substâncias psicodélicas, toda pesquisa ainda está em fase de teste. Além do mais, quando há excesso na dose ou quando ingerida sem orientação e acompanhamento especializado, a droga pode ter efeitos adversos como: ansiedade, medo, surtos psicóticos, vômito, mal estar e até arritmia cardíaca.

A administração das drogas exige diferentes e muitos cuidados, como alerta o especialista. “É necessário tomar várias precauções para garantir a segurança e minimizar os riscos associados ao uso de substâncias psicodélicas em contextos terapêuticos, como realizar uma avaliação médica prévia, garantir supervisão profissional, manter um ambiente controlado, preparar-se adequadamente, monitorar o pós-sessão, utilizar as substâncias de forma consciente e respeitar as normas de segurança.”

Os colaterais

Para amenizar os possíveis efeitos colaterais, os pacientes recebem a dose em um local preparado, como clínicas e hospitais, que possam proporcionar tranquilidade. “A configuração do ambiente se refere ao ambiente físico e social no qual a substância psicodélica é administrada. Isso pode incluir o local, a música, a iluminação, a presença de outras pessoas e a atitude geral em relação à experiência. Um ambiente seguro, confortável e acolhedor pode ajudar a facilitar uma experiência positiva e terapêutica”, explica Araújo.

“A aplicação geralmente envolve um terapeuta ou guia experiente que pode fornecer apoio emocional e psicológico durante a experiência. Eles podem ajudar a navegar por quaisquer emoções ou pensamentos difíceis que possam surgir e podem ajudar a integrar a experiência depois”, esclarece.

Os estudos terapêuticos com psicodélicos mostram resultados convincentes, mas ainda são recentes, já que foram retomados apenas na década de 90. Se os testes em larga escala repetirem os bons resultados obtidos até agora, as substâncias psicodélicas poderão ser aprovadas para uso. Até lá, porém, há uma longa estrada da medicina em uma batalha jurídica de autorização. “Embora as perspectivas sejam promissoras, ainda precisamos trabalhar muito para garantir que as terapias psicodélicas sejam aceitas e incorporadas na prática clínica convencional de maneira segura e eficaz”, finaliza o psiquiatra.