Vídeos curtos: por que ficamos presos tanto tempo nas telas Foto: Pixabay

A sensação de recompensa imediata condiciona o cérebro a consumir conteúdos de curta duração de forma desenfreada, e isso pode ser prejudicial a longo prazo

Quem nunca se viu preso num looping sem fim ao assistir vídeos curtos nas redes sociais? Basta um deles chamar a nossa atenção por só 30 segundos que, pronto, passamos pelo menos mais 10 minutos consumindo esse material.

De fato, muitos deles podem ser divertidos e até compartilhar algum tipo de conhecimento importante. Mas o vício por conteúdos de curta duração pode comprometer funções do cérebro, como o foco e a atenção. 

É informação demais em pouco tempo

Aqui podemos citar os reels do Instagram, o Tiktok, ou os short videos do Youtube. Todos eles trazem a mesma proposta: muito assunto em pouco tempo. É claro que a crítica não deve ser direcionada, necessariamente, aos vídeos de humor, onde a intenção é justamente a de nos divertir. Mas sim àqueles que tentam explicar e debater temas profundos e difíceis em, no máximo, três minutos. 

A verdade é que acabamos consumindo tanto informação, de forma tão rasa, que no fim não absorvemos nada do que foi dito. Ou seja, serão minutos, ou horas, que perderemos em frente à tela que não terá nenhum acréscimo positivo, muito pelo contrário, podemos ser bastante prejudicados. 

Buscar recompensa imediata se torna um vício

Jéssica Martani, médica psiquiatra, explica que o que acontece é que esse tipo de conteúdo oferece a quem está assistindo uma espécie recompensa imediata (o fim do vídeo). “Ao longo do tempo, nosso cérebro se acostuma com a velocidade dessa compensação. Isso dificulta o foco e a atenção em situações em que essa resposta não virá tão rápido. Isso ocasiona, então, a dificuldade em tarefas como ler livros, assistir a aulas ou vídeos mais longos.”

Jéssica alerta para as consequências dessa cultura dos short videos às novas gerações. Pois podem comprometer a forma como as crianças e adolescentes vão lidar com os compromissos e com as adversidades ao longo da vida. “No mundo atual, onde somos bombardeados com diversos estímulos dopaminérgicos que ocasionam em recompensas imediatas, adolescentes e crianças inversas neste mundo podem, sim, ter maior dificuldade de foco, de atenção, serem mais impulsivas, com menor tolerância à frustração e terem maior predisposição a transtorno mentais”, pontua a profissional.

Os vídeos atrapalham o ciclo do sono

Além dos efeitos diretos, o uso de telinhas sem freio, como é costume hoje em dia, pode ocasionar ainda a piora do cansaço, exaustão, ansiedade e sensação de frustração. Condições essas que tendem a atrapalhar o descanso. “Se o uso for feito próximo ao horário de dormir, a irradiação da luz azul dos aparelhos eletrônicos faz com que o nosso cérebro a interprete como sendo a luz do dia. Com isso, a melatonina – hormônio que inicia o sono – não consegue ser reproduzida. E isso pode alterar e atrapalhar toda a arquitetura do sono”, esclarece a médica.

A diferença está na constância dos vídeos

Mas então, qual a diferença na forma como o cérebro processa e entende cada um desses conteúdos? De acordo com Jéssica, a distinção não está na compreensão na hora em que assistimos ao vídeo. Mas sim em como esse hábito pode limitar o consumo de outros formatos. “Em vídeos longos, há a necessidade de maiores processamentos do lobo frontal, trazendo maior tempo de atenção sustentada. É como se o cérebro precisasse fazer mais esforço para se manter em foco e atenção”, esclarece.  

Atenção aos padrões irreais 

Há ainda um outro ponto superimportante para essa discussão. O consumo desenfreado de conteúdos nas redes sociais pode alterar a nossa percepção do que é real ou não. Passamos horas assistindo aos vídeos de influenciadores X ou Y e acabamos nos comparando com uma vida que, muitas vezes, nem existe. Ou é, no mínimo, bem diferente do que está sendo compartilhada ali. E isso se aplica aos padrões de beleza, que são definidos através de filtros e efeitos usados continuamente. “O grande problema é que isso ajuda a ‘ditar’ novas normas de beleza e do que se deve ou não ser, alterando as referências de realidade”, aponta a psiquiatra. “Os adolescentes acham que o improvável é o normal. Como se o normal fosse ser milionário aos 18 anos e ter o corpo dos sonhos aos 17, por exemplo”, acrescenta.

“A régua para se alcançar é aumentada. Isso piora o nível de satisfação consigo próprio, piora a autoestima e pode ocasionar e sintomas ansiosos e depressivos.”

Por isso, Jéssica pontua a importância de colocar limites no tempo de uso das telas. E não pense que isso vale apenas para as crianças e adolescentes, pois nós, adultos, também estamos sujeitos às consequências desse consumo exagerado. “Por serem extremamente dopaminérgicos, esses vídeos acabam fazendo com que as pessoas não consigam sair deles.

Além disso, o ideal é monitorar o tempo de telinhas e preencher o dia com outras tarefas que sejam mais saudáveis e também tenho uma recompensa prazerosa. Como exercícios físicos, atividades ao ar livre, ouvir música, sair para conversar, entre outras coisas”, indica a médica.