Qual a diferença e como a cultura dos relacionamentos vem mudando ao longo do tempo
A traição e a não-monogamia consensual são dois conceitos que, embora relacionados a relacionamentos amorosos, se distinguem fundamentalmente pela presença ou ausência de acordos claros e comunicação entre as partes envolvidas. Segundo Luciane Cabral, sexóloga do Gleeden Brasil, “a principal diferença entre traição e não-monogamia consensual é o acordo entre as partes. Na traição, um dos parceiros quebra um pacto de exclusividade sem o conhecimento ou consentimento do outro. Já na não-monogamia consensual, todos os envolvidos estão cientes e de acordo com os termos da relação”, explica.
Toda relação precisa de acordos
Esse aspecto de consentimento mútuo é essencial. A não-monogamia consensual exige que as pessoas mantenham uma comunicação contínua e transparente, onde estabelecem e respeitam limites emocionais e sexuais. “Para evitar confusões, é essencial comunicar-se de forma aberta e constante”, afirma Luciane. Ela também destaca a importância de acordos que definam o que cada um considera traição e estipulem como as interações com terceiros devem ocorrer. Esses acordos, no entanto, não permanecem fixos; eles precisam ser revisados e ajustados conforme as necessidades e expectativas de cada pessoa mudam.
Nos últimos anos, o debate sobre a não-monogamia e a traição tem ganhado espaço, com a crescente aceitação de diferentes formas de relacionamento. “Houve uma maior abertura ao debate sobre diferentes formas de relacionamento, incluindo a não-monogamia consensual. A traição, embora ainda condenada, vem sendo interpretada de maneiras mais complexas, levando em conta o contexto emocional e relacional”, afirma a especialista. Mas a não-monogamia, embora mais visível, ainda enfrenta preconceitos e resistências.
A traição é um fato comum
Dados recentes reforçam essa percepção. Uma pesquisa realizada pelo Gleeden apontou que 33% dos brasileiros comemoram o Dia dos Namorados com amantes, o que sugere uma normalização da traição em determinados contextos. Para Luciane, esses dados indicam uma insatisfação com as normas tradicionais de monogamia, mas isso não significa, necessariamente, uma aceitação ampla da não-monogamia consensual. “Esses dados sugerem que a traição ainda é uma prática relativamente comum e, em alguns contextos, normalizada.”
A cultura das celebridades também contribui para a exposição da traição, muitas vezes banalizando comportamentos infiéis. Casos recentes envolvendo figuras públicas, como o jogador Neymar e a cantora Luísa Sonza, colocam a traição nos holofotes da mídia. Cabral observa que “a exposição constante de figuras públicas, em situações de traição, reforça uma percepção de que esses comportamentos são mais comuns ou aceitáveis, especialmente entre pessoas de alto perfil”. Contudo, essa visibilidade pode distorcer a percepção pública, fazendo com que a traição pareça algo inevitável em relacionamentos de sucesso ou poder.
O gênero importa quando o assunto é traição?
Outro ponto importante destacado pela sexóloga é a diferença de julgamento entre traição feminina e masculina. Mesmo com a crescente visibilidade da não-monogamia, o julgamento em relação à traição feminina ainda é mais severo. “O machismo perpetua a ideia de que o desejo sexual das mulheres deve ser reprimido, enquanto os homens são frequentemente desculpados ou até celebrados por suas escapadas”, afirma. Isso revela como normas patriarcais e desequilíbrios de poder ainda afetam a percepção pública sobre o comportamento das mulheres em relações amorosas.
Não existe receita
Quando se trata de evitar a traição, seja em um relacionamento monogâmico ou não, a sexóloga destaca que não há uma “receita” única. “Cada relacionamento é único, e o que funciona para um casal pode não funcionar para outro. O fator chave é a comunicação aberta e a honestidade.” Em relações monogâmicas, o estabelecimento de expectativas claras sobre fidelidade é essencial, enquanto, em relações não-monogâmicas, os acordos devem ser constantemente renegociados conforme as necessidades mudam.
E não é para todo mundo!
Quanto à viabilidade da não-monogamia como alternativa para todos, Luciane é cautelosa. Ela ressalta que, embora a não-monogamia possa ser libertadora para algumas pessoas, não é um modelo aplicável a todos. “A não-monogamia é uma possibilidade de estar em relações onde expressar seus desejos, suas fantasias, e vivê-las, de fato, possa trazer mais felicidade a algumas pessoas. Não significa que todos querem esse modelo relacional, mas dar visibilidade, respeitar as formas distintas de se viver, permite que todos possam buscar de fato a verdade sobre si”, conclui.