
Números expõem fragilidades estruturais do empreendedorismo nacional
O Brasil registrou mais de 21 milhões de empresas ativas no primeiro quadrimestre de 2024, segundo o Mapa de Empresas do Ministério da Economia, consolidando o país como um dos maiores empreendedores do mundo. Porém, por trás desses números animadores, esconde-se uma realidade preocupante: cerca de 60% das micro e pequenas empresas fecham as portas nos primeiros cinco anos de atividade, segundo dados do Sebrae, evidenciando fragilidades estruturais que vão além das tradicionais explicações econômicas.
Diferentemente do que se imagina, a alta taxa de mortalidade empresarial brasileira não está diretamente relacionada apenas à falta de capital ou às oscilações do mercado. Pesquisas recentes apontam que os principais fatores de fracasso estão enraizados em deficiências de gestão, ausência de planejamento estratégico e, principalmente, na incapacidade dos empreendedores de se desvincularem do operacional para focar no estratégico.
O Desafio do Empreendedor Brasileiro
“O que observamos no mercado brasileiro é um padrão comportamental específico: empreendedores extremamente competentes em suas áreas técnicas, mas que não conseguem fazer a transição de especialista para gestor. Eles se tornam prisioneiros do próprio sucesso inicial”, analisa Gabriel Pagliarin, empresário e consultor empresarial.
Segundo Pagliarin, que já acompanhou centenas de casos de empresas em diferentes estágios de desenvolvimento, existe uma “armadilha da indispensabilidade” que afeta especialmente empreendedores brasileiros. “O empresário brasileiro tem uma característica cultural de querer controlar tudo pessoalmente. Isso funciona no início, mas se torna o maior limitador do crescimento”, observa.
A questão se torna ainda mais complexa quando analisamos o perfil do empreendedor nacional. Dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) mostram que o Brasil possui uma das maiores taxas de empreendedorismo por necessidade do mundo, o que significa que muitos negócios nascem sem o planejamento adequado, como alternativa ao desemprego ou à insatisfação profissional.
Empreendedorismo por Necessidade
“Empreender por necessidade não é necessariamente um problema, mas exige uma curva de aprendizado acelerada em gestão que muitos não conseguem acompanhar. O empreendedor precisa rapidamente desenvolver competências que não possui: liderança, gestão financeira, planejamento estratégico”, explica Pagliarin.
Um dos aspectos mais críticos identificados pelo especialista é a confusão entre faturamento e lucratividade. “É comum encontrar empresários que celebram o crescimento do faturamento sem perceber que a margem está diminuindo. Eles trabalham mais, vendem mais, mas lucram menos. É um ciclo vicioso que leva à exaustão e, eventualmente, ao fechamento”, destaca.
Outros fatores de risco
A sobrecarga operacional representa outro fator determinante para o fracasso empresarial. Pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral revelou que 78% dos pequenos empresários brasileiros trabalham mais de 50 horas semanais, sendo que 45% ultrapassam as 60 horas. “Quando o empresário se torna o gargalo da própria empresa, o crescimento para. E pior: se ele adoece ou precisa se ausentar, a empresa para junto”, alerta Pagliarin.
O especialista também chama atenção para um fenômeno específico do mercado brasileiro: a resistência à profissionalização. “Existe uma cultura de que contratar consultoria ou investir em gestão profissional é ‘gasto desnecessário’. O empresário prefere resolver tudo sozinho, mesmo não tendo conhecimento técnico para isso. É como tentar fazer uma cirurgia sem ser médico”, compara.
O Preço da Gestão Amadora
Dados da consultoria McKinsey corroboram essa análise, mostrando que empresas brasileiras investem, em média, 40% menos em capacitação gerencial comparado a empresas de países desenvolvidos. “O resultado é previsível: gestão amadora em um mercado cada vez mais competitivo e complexo”, pontua Pagliarin.
A questão tributária, embora relevante, não é vista pelo especialista como o principal vilão da mortalidade empresarial. “A carga tributária é alta, sim, mas é igual para todos. O que diferencia quem sobrevive de quem fecha é a capacidade de gestão. Empresas bem geridas conseguem navegar mesmo em cenários adversos”, argumenta.
Outro ponto crítico levantado por Pagliarin é a falta de indicadores de performance nas pequenas empresas. “A maioria dos empresários toma decisões baseadas em ‘feeling’ ou em informações incompletas. Não sabem qual produto dá mais lucro, qual cliente é mais rentável, qual processo é mais eficiente. É impossível otimizar o que não se mede”, observa.
O choque geracional
O especialista também identifica um problema geracional específico. “Temos uma geração de empresários que cresceu em um Brasil menos competitivo, onde bastava ter um bom produto para ter sucesso. Hoje, isso não é mais suficiente. É preciso excelência operacional, experiência do cliente, inovação constante”, analisa.
Para Pagliarin, a solução passa necessariamente pela mudança de mentalidade do empreendedor brasileiro. “O empresário precisa entender que seu papel não é fazer tudo, mas garantir que tudo seja feito. É uma mudança fundamental de mindset que poucos conseguem fazer sozinhos”, afirma.
A implementação de processos estruturados e a criação de uma cultura organizacional sólida são apontadas como elementos essenciais para a sustentabilidade dos negócios. “Empresas que dependem exclusivamente do fundador são, na verdade, empregos caros disfarçados de negócios. Verdadeiras empresas funcionam independentemente de quem está presente”, conclui o especialista.
O cenário brasileiro de alta mortalidade empresarial representa não apenas um problema econômico, mas um desperdício de potencial humano e recursos que poderia ser evitado com maior profissionalização da gestão e mudança de paradigmas culturais no empreendedorismo nacional.