Responda sinceramente: você sabe realmente se colocar no lugar do outro?
Quanto mais as redes sociais avançam — e conectam — pessoas, mais temos vivido um curioso paradoxo: estamos nos sentindo mais sozinhos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada seis pessoas se descreve como solitária nos últimos tempos. Para além do excesso de demandas da vida moderna, os múltiplos estímulos, inclusive das próprias redes sociais, acabam favorecendo conexões superficiais e dificultando a escuta ativa, que cobram seu preço ao se tornarem sintomas.
Desde aquela “preguiça” de interagir, até a incômoda sensação de falar sem se sentir ouvido, passando por casos mais sérios de isolamento social.
Ficar sozinho por muito tempo faz mal, segundo uma ampla gama de estudos científicos, mas, ainda assim, parece cada vez mais inevitável para milhares de pessoas. “Em um mundo onde somos constantemente bombardeados por informações e distrações, a escuta ativa exige esforço. Há também o medo do desconforto; afinal, ouvir o outro de verdade pode significar confrontar ideias diferentes das nossas, verdades incômodas ou emoções intensas que preferiríamos evitar. É mais fácil permanecer na nossa zona de conforto, onde nossas opiniões são validadas”, descreve a psicóloga Andressa Taketa, especialista em relacionamentos tóxicos. Com ela, Malu conversou sobre por que não estamos conseguindo ouvir os outros verdadeiramente e o que fazer para mudar esse cenário.
Afinal, por que praticar a escuta ativa é uma tarefa difícil?
“Porque a nossa mente funciona como um filtro constante, processando tudo o que escutamos através das lentes das nossas experiências passadas, crenças e necessidades emocionais do momento. Há uma tendência quase automática de começarmos a formular respostas, fazer julgamentos ou buscar soluções antes mesmo que a pessoa termine de expressar seus pensamentos.”
Na sua prática clínica, você tem recebido queixas nesse sentido?
“Sim, essa é uma das demandas mais frequentes no consultório. Escuto constantemente frases como ‘ele nunca me escuta’, ‘sinto que falo com as paredes’. Muitos pacientes chegam ao consultório expressando frustração por não se sentirem compreendidos por seus parceiros, pais, filhos ou amigos, por não os ouvirem de verdade. Da mesma forma, muitos relatam a própria dificuldade em escutar, percebendo que isso gera conflitos, ressentimentos e um distanciamento nas relações. É um ciclo vicioso: a falta de escuta gera mágoa, que, por sua vez, dificulta ainda mais a comunicação e a empatia. Casais, por exemplo, frequentemente se queixam de conversas que se transformam em monólogos paralelos, onde cada um está mais preocupado em apresentar seu ponto de vista do que em entender o do outro.”
Quais barreiras emocionais e cognitivas costumam impedir que alguém se coloque no lugar do outro?
“O medo de ser vulnerável, de ser julgado, de ter que mudar de opinião, de se deparar com a dor do outro ou com a própria dor que a história do outro pode evocar. Uma pessoa insegura pode sentir que precisa se defender ou provar seu valor, em vez de simplesmente ouvir. A raiva e o ressentimento acumulados em relacionamentos também criam muros emocionais que impedem a empatia. A pressa e a impaciência em um mundo acelerado nos levam a querer soluções rápidas, sem dar espaço para a complexidade das emoções e pensamentos do outro. A falta de repertório emocional para lidar com sentimentos intensos, tanto os nossos quanto os do outro, também nos impede de nos aprofundarmos na escuta. Por fim, a crença de que já sabemos o que o outro vai dizer ou o que ele ‘deveria’ sentir nos impede de realmente nos abrirmos para a experiência do outro.”
O uso de telas e redes sociais tem prejudicado ainda mais a escuta ativa?
“Eu diria que esse é um dos maiores sabotadores da escuta ativa na era moderna. Em primeiro lugar, ele cria uma distração constante. Nossos cérebros são treinados para responder a estímulos imediatos, e uma notificação, mesmo que insignificante, desvia nossa atenção do que está acontecendo no presente. Isso fragmenta a conversa, impede o contato visual e a percepção de nuances na linguagem corporal e no tom de voz, que são cruciais para a compreensão profunda. Em segundo lugar, estamos acostumados a alternar rapidamente entre tarefas e informações, o que nos torna menos tolerantes a pausas e silêncios em uma conversa. A tentação de ‘dar uma olhadinha’ no celular é quase irresistível, e isso envia uma mensagem clara ao outro: ‘o que está na tela é mais importante do que o que você está dizendo’.”
Então, como aprender a ouvir verdadeiramente?
“Primeiro, presença total. Celular longe, não só no silencioso. Vire seu corpo para a pessoa, olhe nos olhos dela. Parece básico, mas você não imagina quantos casais atendo que conversam um olhando para a TV, outro mexendo no telefone. Mesmo com pessoas que você conhece há anos, seja curioso, chegue na conversa pensando ‘o que será que ela tem para me contar hoje?’. Quando você já vai conversando pensando ‘ah, já sei o que ele vai falar’, mata qualquer chance de conexão real. Quando vier aquela pausa na conversa, resista à tentação de preencher com qualquer coisa. É incrível como as pessoas falam as coisas mais importantes justamente depois desses momentos de silêncio. Pare de julgar enquanto escuta. Quando você perceber que sua mente está categorizando ou avaliando o que a pessoa está falando, só respire e volte a atenção para ela. Escute além das palavras, preste atenção no tom de voz, no jeito que a pessoa fala. Às vezes ela diz ‘estou bem’, mas o tom está gritando ‘estou péssima’. A verdade está muito além das palavras.”