Epidemia de solidão é problema global O isolamento social é prejudicial à saúde e já movimenta agendas políticas e científicas para combater a epidemia de solidão!

O isolamento social é prejudicial à saúde e já movimenta agendas políticas e científicas!

A cada ano, estamos mais conectados, pelo menos no digital: cerca de 84% das residências brasileiras têm algum acesso à internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2023, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Paradoxalmente, nessa era das redes sociais, surgiu um fenômeno curioso: muitas pessoas estão se sentindo mais solitárias.

Da proximidade à solitude

“As redes sociais acabam funcionando como um veículo para a projeção de um eu idealizado”, destaca a psicóloga Anne Crunfli, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. “Isso pode levar a uma sensação de desconexão entre o eu real e o eu projetado, contribuindo para a solidão”, explica.

Isso ocorre porque as redes sociais são desenvolvidas para serem praticamente viciantes. Ao disponibilizarem informações em tempo real e em quantidade sempre crescente e personalizada para cada usuário, elas influenciam nos impulsos neurológicos de uma pessoa, prejudicando as conexões cerebrais e podendo levar à dependência, principalmente nos mais jovens.

Então, como lidar com a discrepância entre o mundo real e o virtual? A profissional comenta que é crucial unir três ideias: fortalecer laços com a comunidade, ser seletivo com o que vemos nas redes sociais, e refletir sobre nossas próprias escolhas e identidade. “Isso significa construir relações reais, escolher conteúdos que nos façam bem e pensar por nós mesmos, fora das pressões sociais”, reforça Crunfli.

A epidemia de solidão já é questão de saúde pública

Em 2021, o Brasil ficou em 1o lugar entre 28 países em um levantamento realizado pela empresa Ipsos, que avaliou a sensação de solidão dos entrevistados. Embora esses resultados tenham sido influenciados pela pandemia de Covid-19, não é apenas uma impressão, nem algo exclusivo do nosso país: Japão e Reino Unido criaram até ministérios da solidão para tratar do tema.

O The Lancet, um dos mais respeitados jornais científicos do mundo, anunciou em julho do ano passado a formação de um comitê para estudar o que vem ocorrendo com a epidemia de solidão. Diversos estudos já alertam que, quando em excesso, a solidão pode ocasionar ou agravar diversas doenças como depressão, ansiedade, hipertensão, Mal de Parkinson e várias outras.

Nos EUA, o Cirurgião Geral do Estado, Vivek Murty, define o fenômeno como crise de saúde pública subestimada: “Nossos relacionamentos são uma fonte de cura e bem-estar escondidos à vista de todos – algo que pode nos ajudar a viver vidas mais saudáveis, plenas e produtivas”, pontuou.

“Na medida em que a tecnologia avança, ironicamente, acabamos em um labirinto de isolamento. Essa constante exposição a vidas aparentemente perfeitas nos empurra para um ciclo de comparações e insatisfação, o que ocasiona a sensação de solidão”, alerta Anne.

O vilão na palma de nossas mãos

Mas, se as redes são uma das “vilãs” para a epidemia de solidão, como podemos lidar? Segundo Anne , é importante fazer o “resgate do eu interiorizado” como uma forma de contraponto ao modelo social imposto. “Essa busca por uma identidade mais autêntica e profunda pode oferecer uma saída para o indivíduo que se sente perdido na busca por um eu idealizado nas redes sociais”, enfatiza a psicóloga.

Moderação virtual é o caminho

Entre as dicas práticas sugeridas pela profissional para o uso consciente da internet, especialmente entre crianças e adolescentes, estão:

  1. Limitar o tempo on-line, fazendo um uso positivo. Sempre se pergunte: o que você está consumindo está agregando algo bom para sua vida? Lembre-se de que o conteúdo importa, por isso, faça uma “limpeza” nos perfis e canais que você segue de tempos em tempos.
  2. No caso das crianças, pais ou cuidadores, devem monitorar a presença digital das crianças com aplicativos de controle parental, por exemplo.
  3. Verifique se o conteúdo é adequado para a idade. E, acima de tudo, converse para entender o que seu filho(a) consome ou como faz uso das redes sociais. Como as crianças estão em processo de desenvolvimento, estimule o aprendizado, dando preferência para atividades no ‘mundo real’. Mas explique, não simplesmente, imponha-se. Tenha em mente que você é o adulto, e é você quem está guiando essa criança. “Encontrar um equilíbrio saudável entre a conectividade digital e a conexão genuína com os outros e consigo mesmo pode ser uma tarefa difícil. Mas é uma batalha importante que devemos lutar por nossa qualidade de vida e a dos nossos filhos”, finaliza.

“É crucial fortalecermos laços, sermos seletivos com o consumo das redes sociais e sempre refletir sobre nossa identidade.’’


Ana Carvalho

Repórter de revista e portal na Editora Alto Astral. Formada em jornalismo em 2022 pela Unip e atualmente pós-graduanda em...