Se tem uma coisa que é fácil afirmar em 2024 é: todo mundo está cansado. Seja do trabalho presencial, das horas de locomoção na ida e na volta, do home office, da rotina de estudos – alguns mais, outros menos, é claro. Fato é que a palavra cansaço está presente no vocabulário de grande parte das pessoas do mundo moderno. Por isso, vemos hoje uma sociedade que vive a ‘era do cansaço’. Em que tudo o que importa é o sucesso, atingir metas, conquistar coisas, mesmo que, para isso, seja preciso deixar parte da saúde pelo caminho.
A Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han
“A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito tempo, entrou uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho.” Esse trecho faz parte do livro A Sociedade do Cansaço, escrito pelo filósofo e sociólogo sul-coreano Byung-Chul Han. Obra que se tornou popular por abordar problemas sociais atuais.
Publicado em 2010, esse ensaio reflete sobre os desafios enfrentados pela sociedade contemporânea. Provocados principalmente pelo excesso de positividade, a supervalorização da produtividade, a cultura da meritocracia e a hiperconexão através da tecnologia e das redes sociais. No século XX, o pensador Michel Foucault usou o conceito da sociedade disciplinar para descrever como, na época, o controle das pessoas era exercido através da repressão, das regras e das proibições. Han argumenta que esse modelo social foi substituído pela sociedade de desempenho. Onde os indivíduos voluntariamente se submetem totalmente às demandas de produtividade (precisam estar sempre fazendo algo novo).
O que importa, afinal?
A autocobrança por cada vez mais resultados, mais entrega, mais trabalho e mais eficiência faz com que o objetivo de vida se torne exclusivamente o sucesso. Mesmo que isso coloque o bem-estar individual em risco. Isso é visto com muita frequência nos discursos motivacionais, livros de autoajuda, coaches e palestras sobre “como alcançar tudo o que você deseja”. Tudo isso faz parte do pacote de sintomas dessa sociedade.
“A cultura do ‘sempre ocupado’ promove a ideia de que estar constantemente ocupado é sinônimo de sucesso. O que pode levar à negligência do autocuidado e ao desenvolvimento de exaustão mental”, explica Daniella Santos, terapeuta integrativa especializada em abuso moral, físico e mental. Ela alerta que levar a vida nesse ritmo, a longo prazo pode resultar em sintomas como ansiedade, insônia e esgotamento.
A era do cansaço é um problema transgeracional
Ainda segundo a profissional, apesar de ser uma realidade do mundo atual, essa cobrança por estar sempre em movimento geralmente surge nos primeiros anos de vida. “Essa mentalidade tem raízes em crenças limitantes adquiridas na infância, onde o descanso era muitas vezes visto como preguiça. Muitos cresceram acreditando que mesmo nos momentos de pausa era necessário estar fazendo algo ‘produtivo’, um conceito equivocado que ainda prevalece e impede o verdadeiro descanso”, reflete.
Pressão que não tem fim
Com essa dedicação exacerbada à produtividade e à busca incessante por ‘chegar ao topo’, as pessoas acabam se sentindo esgotadas e sobrecarregadas. A pressão, tanto interna quanto externa, para estar sempre performando é constante, e nesse cenário, a exaustão se torna crônica. Pior ainda é compreender que, na maioria das vezes, o parâmetro dessas metas é medido de acordo com a trajetória do outro, e não considera o próprio contexto de vida, as circunstâncias e as experiências individuais.
O livro de Byung-Chul Han, A Sociedade do Cansaço, também aborda como a tecnologia, especialmente as redes sociais, influencia negativamente na cultura do cansaço. De acordo com o autor, a exposição constante às demandas digitais e a pressão para manter uma presença on-line criam uma sensação de sobrecarga, esgotamento e vazio. É preciso estar conectado o tempo todo, responder mensagens instantaneamente, e não basta estar presente em apenas uma plataforma – a multiplicidade delas exige que estejamos sempre atualizados.
Efeitos crônicos
Uma outra consequência do uso desenfreado da tecnologia é justamente atrapalhar a qualidade do descanso, mesmo quando há tempo para descansar. “Durante o descanso, o corpo deveria produzir substâncias químicas que promovem o relaxamento. Mas a exposição contínua a dispositivos eletrônicos interrompe esse processo, gerando padrões de euforia seguidos por exaustão”, aponta Daniella Santos.
É a saúde que está em jogo na era do cansaço
Quem paga o preço por tudo isso é a saúde mental. Não é surpresa que tenha havido um crescimento nos casos de depressão, ansiedade e burnout nas últimas décadas. De acordo com dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), até 2023, aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofriam com a síndrome de burnout, uma doença ocupacional reconhecida e classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022. Sendo o Brasil, atualmente, o segundo país com mais casos diagnosticados no mundo.
“O burnout ocorre quando alguém se dedica intensamente ao que ama, mas acaba se sobrecarregando por não saber equilibrar trabalho e descanso”, descreve a terapeuta. “Isso frequentemente resulta em uma sensação constante de cansaço. Que é agravada por questões emocionais não resolvidas que se manifestam como culpa e exaustão, mesmo após longos períodos de descanso”, completa.
De acordo com Daniella, em casos de depressão, o que acontece é que a pessoa tende a focar na dor do passado, muitas vezes de forma inconsciente, o que paralisa e exaure tanto mental quanto fisicamente.
Desconecte para reequilibrar
Mas então, se o excesso de tarefas está adoecendo a sociedade, qual seria o antídoto? O filósofo e sociólogo sul-coreano Byung-Chul Han, em seu livro, destaca a importância do ócio e do silêncio para curar os indivíduos dessa cultura do cansaço. Desconectar-se, descansar e ter tempo para refletir seriam alternativas para aliviar a pressão constante de estar – e se mostrar – sempre produtivo.
Daniella Santos compartilha do pensamento que o descanso deve ser tratado como prioridade para que haja um equilíbrio entre a necessidade de desacelerar. Ao mesmo tempo em que é preciso assumir a responsabilidade de um estilo de vida produtivo. “É fundamental integrar pausas regulares e atividades relaxantes ao longo do dia, entendendo que o autocuidado não é luxo, mas uma necessidade”, alerta a profissional. “Para ser verdadeiramente produtivo, é preciso descansar, e esse descanso deve ser de qualidade, permitindo que seu corpo, mente e emoções se reequilibrem, garantindo, assim, a saúde mental e a eficácia no trabalho”, finaliza.