
Rabiscos dos pequenos revelam sentimentos e, às vezes, podem apontar para a necessidade de terapia
Os desenhos infantis, muitas vezes vistos como simples brincadeiras ou tarefas escolares, são, na verdade, uma poderosa linguagem emocional. Cada traço, cada cor, cada figura representada carrega um pedaço do mundo interno da criança. De forma espontânea, o desenho funciona como espelho da psique infantil, revelando medos, tensões, desejos e alegrias.
“A criança não desenha por acaso. Quando ela coloca algo no papel, está projetando seu universo interno. É uma expressão do inconsciente, como acontece com os sonhos nos adultos”, explica a psicanalista e perita em vara de família, Renata Bento.
Segundo a especialista, a interpretação correta dos desenhos pode ser uma ferramenta valiosa no diagnóstico psicológico infantil, mas é preciso cautela. “Nem todo desenho sombrio representa tristeza ou trauma. É fundamental considerar a idade da criança, seu desenvolvimento cognitivo, sua história e o contexto em que aquele desenho foi produzido”, afirma.
Desenho terapêutico
O ato de desenhar envolve mais do que habilidade motora: ativa processos mentais e emocionais profundos. A criança, ao desenhar, organiza pensamentos, elabora conflitos e lida com sentimentos que nem sempre consegue verbalizar.
“O desenho pode ser terapêutico. A criança elabora angústias, resolve tensões e se comunica por meio dele. É como se dissesse: ‘É assim que me sinto’, mesmo que não tenha palavras para isso. Entretanto, é importante não interpretar o desenho da criança de forma aleatória. A interpretação do desenho deve se dar dentro de um contexto clínico com a criança e o especialista”, reforça Renata.
Ainda de acordo com a psicanalista, os pais devem observar com atenção – mas sem julgamentos – os conteúdos que aparecem nos desenhos. Perguntar com gentileza o que está sendo representado pode abrir caminhos para diálogos valiosos. “É importante não projetar as próprias angústias sobre o desenho da criança. Use essa expressão como uma oportunidade de escuta e conexão”, orienta.
Sinais de alerta
Embora seja natural que os desenhos variem de acordo com a personalidade, o sexo, a idade e o momento emocional da criança, alguns padrões podem indicar que algo não vai bem. “Desenhos repetitivos com conteúdo violento, ausência de figuras importantes como a própria criança ou os pais, uso excessivo de cores escuras por crianças já mais velhas, figuras sem rosto, ou rasgar frequentemente os próprios desenhos podem ser sinais de sofrimento psíquico”, alerta Renata Bento.
Segundo ela, nesses casos, é fundamental manter um canal de diálogo aberto com a criança e, se o comportamento persistir, buscar orientação profissional. “Não se trata de criar alarme, mas de entender que o desenho é uma forma de comunicação. Se ele expressa dor ou confusão de forma recorrente, precisamos escutar esse pedido de ajuda”, afirma.
Como incentivar
Em casa, os pais podem e devem incentivar a expressão artística dos filhos. Disponibilizar materiais de desenho e reservar um tempo para conversar sobre as produções pode fortalecer vínculos e permitir que a criança se sinta acolhida em seus sentimentos.
“Não se deve forçar a criança a desenhar, mas criar um ambiente onde isso seja possível. Às vezes, um simples ‘me conta sobre esse desenho’ pode abrir um universo inteiro de fantasia, emoção e conexão”, finaliza a psicanalista.
Edição: Fernanda Villas Bôas