De álcool à compras: por que é comum trocar um vício por outros? (C)MikhailBandarenka

Quando uma pessoa consegue se afastar de um vício, o alívio costuma vir, mas acompanhado de uma surpresa: a mente começa a buscar novas formas de compensação. Entender como e por que isso acontece é fundamental para quebrar o ciclo, evitar novos inconvenientes e garantir uma recuperação real e sustentável.

Para aprofundamento no tema, o médico psiquiatra Dr. Rogério Jesus, presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia e diretor da clínica Vale Viver (Camaçari – Bahia), destaca que o caminho da recuperação envolve acompanhamento médico, suporte psicológico, compreensão da família e continuidade do tratamento após a alta.

1 – Por que algumas pessoas substituem um vício por outro?

Isso acontece devido ao fenômeno chamado migração das compulsões. O cérebro busca constantemente formas de obter recompensa e liberar dopamina. Quando a pessoa interrompe o uso de uma substância, sem reorganizar sua forma de pensar, sentir e se comportar, ela pode desviar essa necessidade para outra compulsão: como comida, álcool, compras, jogos, sexo ou até atividade física excessiva.

Por isso, o tratamento não pode se limitar apenas a “parar de usar”. É indispensável acompanhamento psiquiátrico e psicológico para reorganizar os padrões emocionais e evitar que um vício seja substituído por outro.

2 – Como é possível se livrar de uma dependência química?

A dependência química é uma doença crônica, progressiva e potencialmente fatal se não for tratada. O tratamento envolve suporte médico, psicológico e, principalmente, a motivação do indivíduo para mudar aquela realidade. Tentar enfrentar sozinho torna tudo mais difícil, por isso o acompanhamento de um especialista é essencial.

Consideramos um bom resultado quando a pessoa consegue entrar em abstinência e se manter longe da substância. Quanto mais tempo ela permanece abstinente, mais fácil se torna manter a sobriedade, pois os sintomas de fissura — o mal-estar causado pela falta da droga — vão se tornando mais leves. 

Estratégias como acompanhamento psiquiátrico, psicoterapia e participação em grupos de apoio aumentam significativamente as chances de recuperação.

3 – Qual é o impacto do entorno emocional e familiar na manutenção da sobriedade?

A dependência química não afeta apenas o indivíduo, mas toda a família e o seu círculo emocional. Muitas vezes, os familiares tentam ajudar, mas acabam adoecendo junto e se tornando codependentes — pessoas que, mesmo com boas intenções, favorecem sem perceber a continuidade do uso da substância.

Por isso, além do tratamento do paciente, é importante que a família também receba orientação e suporte psicológico. Quando a família entende a doença e sabe como agir, ela se torna um fator de proteção, e não um obstáculo, para a manutenção da sobriedade.

4 – Como reconhecer quando a disciplina vira “prisão” na rotina do ex-dependente?

O termo “adicto” vem do latim e significa “aprisionado”. A verdadeira prisão ocorre quando a pessoa está no uso ativo da droga, quando todas as suas escolhas são determinadas pela substância.

No processo de recuperação, mudanças de hábitos — como evitar certos ambientes, pessoas e comportamentos — não devem ser vistas como restrição, mas como libertação. Libertação para uma vida consciente, organizada e com novas possibilidades. A disciplina não é uma prisão; é uma estrutura que protege contra recaídas e permite reconstruir a autonomia.