Em 2019, no Dia Nacional da Visibilidade Trans, a Google Brasil promoveu em sua página principal uma homenagem sob a forma de “doodle” com o objetivo de celebrar a data. A homenageada foi Brenda Lee, travesti nordestina criadora da primeira casa de acolhimento para pessoas vivendo com HIV na América Latina. Vivia-se o chamado “boom” da inclusão de grupos vulneráveis em grandes empresas e campanhas publicitárias. Isso incluia diretrizes e normas de combate à discriminação na internet. Na política, começava o debate sobre equiparar a homofobia ao crime de racismo no país.
Infelizmente, as coisas mudaram
Hoje, exatos seis anos depois, outra gigante do mundo digital, a Meta, altera a política contra o discurso de ódio em suas plataformas sociais. Agora, dentre outras ações, passou a “permitir alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual”. Traduzindo: em nome de uma suposta liberdade de expressão, os aplicativos da empresa deixam de considerar uma infração às regras de boa convivência da rede digital a “patologização” desses grupos.
O neologismo “patologização” não é tão “neo” assim. Desde o início do século XX, o cenário biomédico ocidental tenta enquadrar as variantes de gênero como comportamentos patológicos e “desviantes” e inclui esses termos nos manuais de diagnósticos, além de oferecer a possibilidade de terapia de “conversão”. Quando surgiu a epidemia de HIV/AIDS, na década de 1980, mais uma vez essa população sofreu brutal perseguição e teve sua orientação sexual atrelada ao conceito de doença.
As conquistas ainda são recentes (e frágeis)
Somente em 1990, a OMS retirou a homossexualidade e a transexualidade da lista de distúrbios mentais. De lá para cá, enormes esforços foram feitos para reduzir o estigma e propor métodos da sociedade entender e acolher esses grupos. Destacando-se o intenso ativismo de organizações voltadas para a defesa dos direitos LGBTQIAPN+.
O questionamento é muito simples. Se isso foi tão arduamente superado, o que explica o retorno de uma prática tão nefasta em uma das maiores empresas do planeta? Outra dúvida: esse passado realmente ficou para trás? Podemos apontar dois fatos: as pessoas de hoje não pensam do mesmo jeito que antigamente. E além disso, essa alteração da Meta mais tem a ver com o alinhamento às intenções de um novo governo de direita dos Estados Unidos, note a lei assinada por Donald Trump para reconhecer apenas dois gêneros (masculino e feminino), do que propriamente ao retorno a uma caça às bruxas.
Maus exemplos
O dono da Meta, o bilionário Mark Zuckerberg, está desesperado para ganhar pontos com a Casa Branca e impedir que a judicialização da empresa ponha em risco os numerosos lucros e dividendos. Outras companhias, conglomerados e até mesmo governos (vide o ex-presidente Jair Bolsonaro) têm desmontado programas de inclusão e interrompido parcerias com a comunidade LGBTQIAPN+.
Então, apesar dos retrocessos, a resposta é NÃO. As pessoas que fogem às normas binárias e heteronormativas não estão mais sendo simplesmente jogadas em um hospício como no passado recente. Pelo menos, não por enquanto. Mas fica uma lição dessa mudança peculiar em um intervalo tão curto. Não confie em empresas que vestem o colorido, nos governos que se dizem inclusivos e na suposta boa prática das grandes corporações de mídia.
Em conclusão, o mundo capitalista é daltônico é só enxerga as cores do lucro. Se os rumos da política exigem, aqueles mesmos empresários igualitários não pensam duas vezes antes de jogar as queridas minorias de volta ao abismo mais profundo onde tantos já pereceram.
*Esse artigo não representa, necessariamente, a opinião da MALU