Um mergulho na relação entre a arte do som e a nossa história

Já se perguntou por que ouvimos música? Ou por que podemos gostar mais de um ritmo musical e não de outro? Viviane dos Santos Louro, Doutora em Neurociências e professora do departamento de Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), conversou com a Malu para elucidar essas e outras dúvidas sobre a fascinante arte do ritmo e som.

Começando do começo: por que os seres humanos escutam música?

“Do ponto de vista evolucionário, ninguém sabe ao certo como a música surgiu entre nós e por quê. No entanto, sabe-se que ela existe há mais de 30 mil anos, devido a achados de flautas feitas de ossos de animais. Do ponto de vista social, a música está entre as grandes artes. Ouvimos, resumidamente, porque nos dá prazer, sendo talvez a manifestação artística mais presente em nosso dia a dia. Ela é importante em todas as culturas, em rituais religiosos, processos terapêuticos, expressão das emoções e forma de entretenimento. Está em filmes, festas, propagandas, em nossos celulares, em todos os lugares. Em suma, ouvimos música pois precisamos dela como forma de expressar nossa identidade, emoções, pensamentos e como forma de sentir prazer e gerar dopamina em nosso cérebro.”

Como a música influencia em nossa personalidade e o que ela revela sobre nós?

“Desde pequenos ouvimos, desde a mãe cantando enquanto nos amamenta, mas também nos desenhos animados, jogos de videogame, bandas, etc. Diante da cultura e influência recebida por cada pessoa no decorrer da vida, a música vai ‘crescendo’ conosco e faz parte da construção de nossa personalidade. Se sou uma pessoa nostálgica ou com humor mais introspectivo ou deprimido, provavelmente gostarei de músicas mais lentas, nostálgicas ou com letras que remetem a tristeza. Se sou uma pessoa revoltada, com espírito aventureiro e transgressor, provavelmente gostarei de músicas mais ‘pesadas’, impactantes, e afins. E se gosto de dançar, músicas rítmicas ou dançantes serão bem-vindas e assim por diante.

Agora a pergunta que não quer calar é: a nossa personalidade que nos influencia a gostar de certos tipos de música ou a música que nos influencia na construção de nossa personalidade? O que a música revela de nós? Tem um ditado antigo que diz: ‘Quer conhecer um povo, preste atenção nas músicas que eles ouvem e fazem’. É isso, a música revela nossa essência psíquica, personalidade, crenças, ela revela quem somos.”

Como a cultura e o ambiente social influenciam as preferências musicais de uma pessoa?

“Tudo o que vivemos desde a gestação influencia nossas preferências musicais. Se a mãe cantava e ouvia música na gravidez ou se a mãe for musicista e estudar música durante a gestação, influenciará o bebê. O tipo de música que os pais consomem, bem provavelmente será absorvida pelos filhos como preferência também. Ao passo que a criança cresce e se socializa com outros indivíduos, passa a conhecer novas músicas e isso pode mudar seu gosto musical, levando em consideração sua idade, o momento em que conheceu tal música, o que ela expressa, etc.”

A exposição a diferentes gêneros musicais durante a infância e adolescência nos influencia permanentemente?

“Não necessariamente. Podemos ter preferência por um gênero pois na infância aprendemos assim, mas, de repente, em alguma outra fase, conhecemos músicas diferentes que nem sabíamos que existiam e mudamos ou ampliamos nosso repertório. A música está muito ligada a nossa identidade, portanto, assim como mudamos de gosto de roupa, comida, locais, filmes e livros diante da idade e novas experiências, podemos mudar também de gosto musical. Mas, claro que, se na infância temos exposição a diversos gêneros musicais, a probabilidade de sermos pessoas mais abertas a novas músicas ou gostarmos de vários estilos diferentes, aumenta. Tudo que é incentivado na infância tem grande influência em nossa vida, mas não é fator definitivo, sempre podemos mudar.”

Como a música pode ser usada como uma forma de expressão de identidade cultural e pessoal?

A música representa grupos. Somos seres sociais e vivemos em grupo. Portanto, ela não é só o som em si, mas sim uma identidade. O som, os instrumentos, letras, jeito de cantar, jeito de se vestir, local da apresentação musical, história daquele gênero musical em si e afins, tudo isso é identidade musical e expressa a identidade cultural e pessoal dos grupos. Jovens que gostam de heavy metal por exemplo, se vestem, se comportam e se expressam verbalmente de um jeito diferente dos que gostam de rap ou de música clássica.”

O que leva alguém a não gostar de um determinado gênero musical? 

“Tudo o que diz respeito ao ser humano sempre terá questões psicológicas, sociais e biológicas envolvidas. Uma pessoa pode não gostar de uma música ou gênero pois não teve oportunidade de conhecê-lo melhor, ou por julgá-lo musicalmente sem consistência, por achar que a letra não expressa nada de interessante, por não sentir que essa música representa sua identidade ou até mesmo por algum trauma. Vamos supor que uma pessoa adore uma música específica mas, viajando de carro, sofra um acidente gravíssimo no momento em que estava ouvindo essa música no carro. Talvez essa pessoa passe a odiar a música que antes amava. É um mito achar que música só faz bem, há pessoas que são sensíveis a certos sons ou músicas e que podem, com isso, desencadear crises epilépticas ou depressivas.

Músicas podem gerar gatilhos para sentimentos não desejáveis, dependendo da letra ou relação que temos com aquela música ou gênero. Então, assim como as nossas experiências no mundo ajudam a construir nosso gosto musical, também ajudam a construir o nosso ‘desafeto’ musical.”