Uma especialista explica os sintomas psíquicos apresentados pela antagonista do sucesso da Netflix
Mais de 41.000 e-mails e 350 horas de mensagens de voz, incluindo entre elas diversas ameaças, enviados a um homem ao longo de três anos, só porque ele lhe pagou uma bebida em um bar. Esses são alguns dos números assustadores relacionados ao caso real abordado na série de suspense Bebê Rena (2024). Inspirada na história do criador e ator principal do seriado, Richard Gadd, na série acompanhamos Donny, um comediante falido. Após ter enfrentado em silêncio abuso de outras pessoas no passado, se tornou uma presa fácil para Martha (Jessica Gunning), uma mulher aparentemente simpática e solitária que escondia uma face obsessiva e perigosa.
Martha sofre de comportamento obsessivo
“Pelo que podemos observar na série, Martha apresentava sintomas de diversos transtornos psíquicos. Entre eles, a personalidade Borderline, já que ela demonstra sofrer de uma profunda instabilidade emocional, impulsividade e medo de abandono, agindo de forma caótica com suas relações. Sua vida também é dominada por pensamentos intrusivos, o que pode se relacionar a um caso grave de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Há também uma enorme distorção da realidade que pode se associar a um caso de transtorno psicótico ou esquizofrenia”, inicia a psicóloga clínica Tatiane Paula.
É importante reforçar, é claro, que a vida não é preto no branco: Não é por apresentar sintomas que a personagem se torna totalmente inocente. Qualquer pessoa pode passar por momentos difíceis e perder o controle. A diferença é que Martha, durante a maior parte do seriado, não parece interessada em procurar ajuda, embora perceba o mal que está causando nas pessoas em sua volta.
E principalmente, não é por sofrer com um transtorno que todas as pessoas irão agir da mesma forma ou terão comportamentos tóxicos exclusivamente por maldade. Se você se identificou em algum grau com Martha, o que você precisa saber é que pode (e deve!) procurar por tratamento psicológico. “Uma abordagem excelente para esses casos é a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). Ela ajuda a gerenciar comportamentos e pensamentos disfuncionais e substituí-los por padrões menos nocivos. Além disso, há para os casos graves as vias medicamentosas, onde o psiquiatra irá investigar caso a caso por um bom estabilizador de humor para tratar os sintomas psicóticos”, orienta a profissional.
Mas como e por que isso acontece?
Por mais apavorante que fosse o comportamento de Martha durante a minissérie, ele não parece de longe ter surgido atoa. A personagem menciona ter crescido em um lar violento, onde acabava se apegando em brinquedos para lidar com a realidade nociva. Dentre esses brinquedos havia inclusive um ‘bebê rena’, como o que dá nome ao seriado. “Essa distorção de realidade que ela apresenta tem origens multifatoriais. São fatores genéticos e desequilíbrios químicos, mas principalmente oriundos de traumas advindos de sofrimentos físicos e emocionais”, explica Tatiane.
Afinal, a série retratou bem esses transtornos?
Bem, como quase tudo na vida, depende! “Como profissional, acho importante que os transtornos emocionais sejam retratados. Mas acho que o foco sempre deve estar na conscientização, principalmente para que quem se identifique procure ajuda. É preciso ter cuidado com a estigmatização, para que o audiovisual não reforce visões negativas. O que eu mais gostei foi de como o seriado apontou com profundidade esses sintomas, sem estereótipos”, opina a especialista.
Mas e as vítimas?
Agora que compreendemos o que houve com Martha e como ela deveria ter lidado de forma mais positiva com seus problemas, não podemos deixar de finalizar sem pensar na outra ponta desse caso: Donny.
Embora, felizmente, no final da trama ele tenha acionado a polícia, ao longo de todo o seriado ele demonstra estar preso em uma série de padrões tóxicos. Tem dificuldades em reconhecer que as atitudes de Martha são um problema, não consegue se manter em nenhum relacionamento, se autodeprecia com frequência e de forma extremamente triste, acaba até tentando retomar uma amizade com o homem que abusou dele sexualmente no passado. “Para as vítimas, como Richard, buscar terapia também é fundamental. Pessoas que vivenciaram essas situações de abuso extremo precisam de apoio psicológico para enfrentar seus traumas de forma mais saudável, com melhor clareza e consciência, e assim não acabarem presos em outras dinâmicas abusivas”, finaliza Tatiane.