Preta Gil: o adeus a uma estrela Reprodução Instagram

Uma homenagem a artista que coloriu o Brasil com arte, solidariedade e empoderamento: relembre a trajetória

Após uma intensa batalha contra o câncer colorretal, o Brasil perdeu Preta Gil, cantora, atriz e empresária de apenas 50 anos, que foram muito bem vividos, obrigada. Uma mulher que soube viver, ela nos falou de empoderamento muito antes de essa palavra virar moda, foi o rosto de pautas importantes em uma época onde era malvisto manifestar-se por elas e amou intensamente sua família, seus amigos, seus amores, mas principalmente: a vida. Por isso e muito mais, a MALU presta seu tributo a essa mulher de coração e arte gigantes, relembrando alguns fatos de sua vida.

Rica em arte

Preta Maria Gadelha Gil Moreira nasceu em 8 de agosto de 1974, filha do lendário cantor Gilberto Gil e da empresária Sandra Gadelha. Ela praticamente nasceu militando, já que os pais precisaram brigar no cartório para poder registrá-la como ‘Preta’, história que ela se orgulhava de contar em entrevistas. “Vocês conhecem meu pai, sabem que ele gosta de falar e já começou a fazer discurso. ‘Mas por quê? Existem Biancas, Brancas, Claras, Rosas e não pode ter Preta?’”, insistiu o artista até convencer o tabelião.

E esse era um nome forte para uma mulher forte, que, de início, ignorou seu chamado como artista: na década de 90, trabalhava nos bastidores, em produtoras, onde auxiliou a produzir videoclipes de diversos artistas, de Ivete Sangalo à banda SNZ. Mas essa fase não durou e, em 2003, veio Prêt-à Porter, seu álbum de estreia, que ela descrevia como um renascimento em sua vida.

Sinais de fogo

Mas o início não foi fácil. A capa do álbum, onde Preta aparecia nua, causou polêmica e, inclusive, ataques que hoje sabemos ser fruto de gordofobia e machismo. A própria artista descreveu, anos mais tarde, o quanto muitos pareciam mais preocupados com o que o pai dela pensava sobre as fotos do que sobre suas músicas. E essa não seria a última vez que ela sofreria ódio, já que, ao longo dos anos, muitas pessoas baixas tentaram diminuí-la.

Mas Preta Gil nunca fez questão de agradar. E foi desse álbum que estava o maior hit de sua carreira, Sinais de Fogo, um grande sucesso composto por ninguém menos que Ana Carolina, que era amiga (e também uma paixonite) dela. Sobre esse tempo, mais tarde, Ana declararia: “Preta contava por aí, sempre rindo, que foi apaixonada por mim. E eu sempre dizia: ‘não ficamos, mas eu fiz canções para ela’. Porque era assim que a gente se amava. Do nosso jeito, bonito, verdadeiro, inteiro.”

Arte e potência

Aos poucos, Preta foi conquistando o Brasil, e sua carreira ainda contou com os álbuns Preta (2005), Sou Como Sou (2012) e Todas as Cores (2017), além de uma série de parcerias de sucesso com outros artistas, como Vá se benzer (2019), ao lado de Gal Costa, que também era sua madrinha, Decote (2017), com Pabllo Vittar e Pega ou Desapega (2014), junto de Thiaguinho. Outro destaque foi o Bloco da Preta, idealizado por ela em 2010, que durante anos levou milhares de foliões às ruas durante o carnaval. 

Sua especialidade era ser plural, tanto como artista quanto como pessoa: na música, fluiu entre o axé, o pop, a MPB e muito mais. E por falar em MPB, destacamos aqui a última música que ela cantou em um show, a regravação de 2025 da faixa Drão, música composta em homenagem a sua mãe, e cantada ao lado do pai, Gilberto Gil. Uma despedida potente e digna de uma grande artista. 

Militância e legado

Preta era uma mulher de posicionamento. Mulher gorda, negra, bissexual, de axé e feminista, ela foi uma das artistas que defendeu essas bandeiras antes de elas se tornarem mais populares. Em 2011, foi ao Congresso Nacional defender o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, despertando a ira de extremistas. Nunca aceitou abaixar a cabeça. Nem mesmo quando a misoginia a atingiu de forma mais direta, após ser traída pelo então marido ao ser diagnosticada com câncer colorretal pela primeira vez, em 2023.

Ainda abalada, transformou a dor em luta ao expor sua situação, com destaque para um depoimento emocionante no especial da Globo Falas Femininas, de 2024, onde trouxe à tona um problema social grave e ainda pouco discutido: mulheres sofrendo abandono em situações de vulnerabilidade.

Mas apesar dos reveses, ela nunca esteve só, e sabia disso: em seus últimos meses, comoveu o Brasil ao enfrentar a doença com uma leveza ímpar, e declarava com frequência que, embora desejasse a cura, estava pronta para o que viesse. Em 20 de julho de 2025, cercada por seus muitos amigos e familiares, Preta partiu para brilhar eternamente. A nós, nosso eterno ‘muito obrigado’ por poder acompanhá-la.


Ana Carvalho

Repórter de revista e portal na Editora Alto Astral. Bacharela em jornalismo e pós-graduada em Comunicação e Mídia pela Universidade...