O suicídio no esporte

O tabu e a negligência com o tema levam atletas de alto rendimento ao sofrimento extremo

Os números são alarmantes: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, cerca de 12 milhões de pessoas – 5,8% da população – sofrem de depressão. Trinta pessoas tiram a própria vida diariamente no país. E esse cenário não se torna mais otimista quando tratamos de pessoas fisicamente ativas e saudáveis. Dados do Ministério da Saúde mostram que 25,6% dos brasileiros praticam atividades físicas com frequência. Boa parte dessas pessoas se tornam atletas profissionais que, infelizmente, não estão livres da depressão.

Suicídio é um tabu limitante no esporte

Mesmo sabendo dessa realidade, o assunto ainda é pouco debatido no contexto do esporte, e as consequências disso pioram o problema. “A falta de discussão sobre o suicídio nos esportes pode ter impacto significativo nos atletas de alto rendimento”, conta Lincoln Nunes, filósofo, psicanalista, preparador mental e especialista em performance esportiva. “Ao não abordar abertamente esse assunto, cria-se um ambiente onde os atletas sentem que não têm permissão para expressar angústia emocional ou pensamentos suicidas. Isso pode levar ao isolamento, sem que eles compartilhem suas lutas com os colegas de equipe, treinadores ou profissionais de suporte”, esclarece o profissional.

O suicídio é mais comum do que pensamos

A frequência de casos é mais comum do que parece. Michael Phelps, maior campeão olímpico de natação de todos os tempos, confessou que pensou em suicídio após conquistar seis medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Outro nadador campeão, Anthony Ervin, decidiu abandonar o esporte por conta da depressão. Com a vida abalada pela doença, ele começou a usar drogas e tentou se matar –, mas superou essa fase difícil. Ervin voltou a nadar e, em 2016, nas Olimpíadas do Rio, venceu a prova de 50 metros e ganhou um desfecho emocionante.

Segundo o psicanalista, estar inserido no contexto de competição pode velar e negligenciar os cuidados com a saúde mental. “A pressão para manter uma imagem de força e invulnerabilidade tam-
bém pode ser exacerbada pela falta de discussão, impedindo que os atletas busquem ajuda quando necessário. Quando essa expressão é restringida, com o suicídio como tabu, os atletas podem ter acúmulo de tensões, potencialmente levando a conflitos internos e sofrimento”, explica.

“Os estigmas associados à saúde mental podem levar os atletas a acreditar que buscar ajuda é sinal de fraqueza, e que isso pode prejudicar sua imagem ou carreira. Eles podem temer que revelar lutas emocionais vão os tornar menos competitivos ou valorizados”, compreende Lincoln.

Pressão que ultrapassa os limites da saúde

Atletas de alto rendimento enfrentam pressões de um jeito único. Além da autocobrança, há uma expectativa externa de desempenhos excepcionais, são submetidos a competições intensas e exposição pública constante. Esse ciclo pode contribuir muito com o adoecimento mental. “Essas pressões podem levar a um estresse crônico, medo de fracasso, ansiedade de desempenho e perfeccionismo extremo. Quando consideramos o preconceito que muitas pessoas carregam para tratar de temas como depressão e saúde mental, esse quadro se agrava. Esses fatores, combinados com a falta de ferramentas para lidar com o estresse e a pressão, os atletas podem se sentir esgotados emocionalmente, aumentando o risco de problemas de saúde mental. Esses sentimentos podem se transformar em pensamentos suicidas, como uma resposta extrema à dor emocional e ao sofrimen-
to psicológico”, alerta o especialista.

Para tornar a situação ainda mais delicada, atletas de alto rendimento precisam lidar com agendas rigorosas e demandas constantes de desempenho, o que pode levá-los ao isolamento social, se afastando de amigos e familiares. “O foco intenso no treinamento e competição pode resultar em falta de tempo para interações sociais significativas, levando a sentimentos de solidão e desconexão”, destaca Lincoln. “O isolamento pode levar a uma sensação de vazio emocional, pois a ausência de apoio emocional pode desencadear sentimentos de solidão e abandono. Essas emoções podem contribuir para problemas de saúde mental, aumentando a suscetibilidade a transtornos depressivos e pensamentos suicidas.”

Suicídio: preste atenção em si mesmo e no próximo

Lincoln elencou sinais de alerta que podem caracterizar um atleta em sofrimento mental. Dentre eles, “mudanças extremas no comportamento ou no desempenho esportivo, alterações no padrão de sono e apetite, expressões de desesperança, falta de energia ou motivação, expressões verbais de pensamentos suicidas e autoisolamento”. De acordo com ele, ficar atento a esses sinais e abordar o atleta com empatia e preocupação pode fazer a diferença. Além disso, é importante perceber se há mudanças no estilo de comunicação, como se tornar mais retraído ou agressivo, pois esses comportamentos também podem indicar angústia interna. “O foco na expressão emocional pode ajudar a identificar atletas que possam estar enfrentando problemas de saúde mental”, completa o profissional.

Quem conduz também é responsável

Além de ser necessário abordar esse tema publicamente, os profissionais da área, como treinadores e psicólogos do esporte, também devem desempenhar um papel na criação de um ambiente de apoio que permita aos atletas falarem abertamente sobre suas lutas emocionais. “Ao demonstrarem abertura e empatia, os treinadores podem criar um local onde os atletas se sintam à vontade para compartilhar suas lutas emocionais sem medo de julgamento”, explica o psicanalista.

“Psicólogos, terapeutas, preparadores mentais esportivos podem fornecer ferramentas e estratégias para lidar com o estresse e a pressão, ajudando os atletas a construir resiliência emocional. Essa abordagem preventiva pode ajudar a evitar crises maiores”, aponta.

Como dicas para trabalhar essa realidade e cuidar de uma parte tão importante da vida como a saúde mental, Lincoln cita, principalmente “a criação de rotinas que contenham tempo para autocuidado e relaxamento, desenvolvimento de habilidades de autorregulação emocional”. Segundo o especialista, é preciso buscar de atividades fora do esporte que proporcionem prazer e conexão social, além de apostar da prática de mindfulness e meditação – para reduzir o estresse – assim como criar hábito de leitura de livros com foco no desenvolvimento de habilidades para lidar com esportes que exigem alta demanda emocional.

Não se renda ao tabu, busque ajuda

Para os atletas que estão enfrentando dificuldades emocionais e pensamentos suicidas, Lincoln afirma que a busca por ajuda é sinal de coragem, não de fraqueza.
O reconhecimento de suas lutas é o primeiro passo em direção ao autocuidado e à cura. “Assim como buscam a excelência no esporte, também merecem buscar o bem-estar emocional e mental”, destaca o preparador. “Compartilhar emoções e preocupações não apenas alivia o peso emocional, mas também fortalece os laços interpessoais, promovendo o senso de pertencimento e cuidado mútuo”, finaliza.

Caso necessite de auxílio ou deseje conversar com alguém, faça uma ligação gratuita para o número 188, o Centro de Valorização da Vida, disponível 24 horas por dia.