“Tremembé”: o que aprendemos ao olhar para mulheres que matam Divulgação Amazon Prime

Psicóloga jurídica analisa o impacto social e psicológico retratado na nova série do Prime Video

Com estreia marcada para o dia 31 de outubro no Prime Video, a série Tremembé promete reacender um debate sensível: como o público enxerga mulheres envolvidas em crimes de grande repercussão. Inspirada na realidade da Penitenciária de Tremembé — conhecida como a “prisão dos famosos”, a produção retrata casos que marcaram o país, como os de Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e Anna Carolina Jatobá, convidando o espectador a refletir sobre o limite entre o crime, a fama e a punição.

Segundo a psicóloga jurídica e assistente técnica Patrícia Barazetti, obras como Tremembé ajudam a questionar como a sociedade constrói a imagem da mulher que transgride.

“Quando uma mulher comete um crime grave, o julgamento social tende a ultrapassar os fatos e alcançar o campo moral. A figura feminina é lida pela lente de seus papéis afetivos — mãe, esposa, filha — e raramente pela complexidade de sua subjetividade”, explica.

Barazetti ressalta que, embora as mulheres representem apenas cerca de 5% da população prisional brasileira, não é incomum que elas estejam envolvidas em crimes de alto impacto.

“A violência não é atributo de gênero. Ela nasce de histórias de desorganização emocional, vínculos frágeis e traços de personalidade formados em contextos de negligência e carência afetiva”, afirma. “Compreender não é absolver. É trazer o olhar técnico de volta à análise dos fatos, sem perder o rigor da prova”, ressalta.

Entre a crítica e o entretenimento

Tremembé aposta em uma narrativa que mescla drama, ironia e crítica social. Para a psicóloga, esse tom requer cuidado. “O risco maior está na glamourização do crime, quando a autora se transforma em uma figura fascinante, e a gravidade dos atos se dilui na ficção. Por outro lado, produções bem conduzidas podem gerar reflexão, mostrando as nuances emocionais e sociais que antecedem a violência. Quando há ética na narrativa, o entretenimento educa”.

Ambientar a história na penitenciária que ficou famosa por abrigar réus conhecidos também lança luz sobre o comportamento do público diante desses casos. “A prisão de Tremembé se tornou um símbolo do espetáculo da punição. A sociedade tende a julgar a personagem midiática, não a pessoa real. É como se o nome pesasse mais que o ato, e esse é um dos grandes dilemas da Justiça contemporânea”, pontua.

Retratar sem reduzir

Para evitar os estereótipos que ainda cercam a mulher criminosa, Barazetti destaca três pontos fundamentais:

  • Reconhecer a agência feminina — mostrar que há escolhas e decisões conscientes;
  • Contextualizar a vulnerabilidade, sem transformar o crime em consequência inevitável;
  • Adotar o mesmo rigor crítico aplicado a autores homens.

“A produção ganha força quando mostra que há uma pessoa complexa por trás do ato, com uma história de vínculos, afetos e desorganizações emocionais. Isso não significa justificar, mas compreender.”

Da curiosidade à consciência

Para a especialista, o valor de séries como Tremembé está em transformar o olhar do espectador. “O desafio é sair da curiosidade e chegar à consciência. Quando a narrativa combina sensibilidade psicológica e rigor jurídico, ela ajuda a entender por que a violência acontece, e como a sociedade contribui para ela. Compreender é o primeiro passo para prevenir”.