Como evitar gastos impulsivos no fim de ano

O pagamento do 13º salário e a chegada de dezembro acende ao mesmo tempo o espírito festivo e o alerta financeiro. Segundo dados recentes da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio (CNC), mais de 78% das famílias brasileiras iniciaram o último bimestre do ano endividada. Esse é um dos maiores patamares da série histórica: os gastos impulsivos.

Já o Índice Antecedente de Vendas do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IAV-IDV), que considera a participação das atividades no volume total de vendas do comércio varejista medido pelo IBGE, apresenta previsão de crescimento de 6,2% em novembro e 3,9% em dezembro, sempre em relação aos mesmos meses do ano anterior. A alta é impulsionada principalmente por presentes, decoração, viagens e confraternizações. O resultado dessa combinação é conhecido: compras por impulso, uso excessivo do cartão de crédito e um janeiro marcado por dívidas altas como IPTU, IPVA e material escolar.

Gatilho para gastos impulsivos

Para Fernando Sette Junior, economista e professor dos cursos de Gestão e Negócios do Centro Universitário UniBH – integrante do maior e mais inovador ecossistema de qualidade do Brasil, o Ecossistema Ânima – o ambiente festivo age como um gatilho que desequilibra as finanças familiares. Ele destaca que a mistura de apelos emocionais, forte pressão do marketing e falta de planejamento transforma dezembro em um dos meses mais críticos para o orçamento. “As campanhas de marketing e a sensação de ‘merecimento’ levam as pessoas a gastarem mais em presentes, roupas e viagens. Mas o problema se agrava porque muitas famílias não têm uma reserva específica para esse período e acabam usando crédito caro, como cartão de crédito e cheque especial”, afirma.

Além dos gastos evidentes, o economista chama atenção para os “custos invisíveis”, que passam despercebidos nesta época. Inúmeras confraternizações, roupas novas, serviços de beleza, gorjetas, transporte por aplicativos, além do extra consumido em viagens — de passeios a refeições fora de casa. “Individualmente, parecem valores pequenos, mas quando somados, representam uma fatia significativa do orçamento.”

Fernando lembra ainda que o ciclo se fecha com as despesas de início do ano. “Quem gasta todo o 13º em dezembro chega a janeiro vulnerável, sem recursos para IPTU, IPVA e material escolar, criando o chamado efeito ressaca financeira.”

Como planejar dezembro sem prejudicar janeiro 

Para evitar o descontrole, Sette Junior recomenda iniciar o planejamento financeiro listando todas as receitas — incluindo o 13º salário — e despesas fixas, variáveis e sazonais. A partir dessa visão clara, é possível estabelecer limites realistas para cada categoria de gasto.

Entre as orientações práticas do economista estão antecipar compras ao longo do ano, aproveitando promoções fora da alta temporada; planejar o cardápio da ceia e as confraternizações, evitando compras de última hora; e priorizar pagamentos à vista, que permitem descontos e reduzem o risco de endividamento futuro. “Um desconto de 10% à vista pode ser mais vantajoso do que um parcelamento sem juros em 10 vezes. O que compromete sua renda futura e pode levar ao descontrole financeiro”, orienta o especialista.

Fernando também recomenda reservar primeiro o valor das contas de janeiro. Isso garante um início de ano mais tranquilo; usar o 13º de forma estratégica, priorizando a quitação de dívidas caras ou reforçando a reserva de emergência. Além de avaliar promoções com critério,verificando se o desconto é real e se a compra estava planejada. Para quem já está endividado, o conselho é direto: presente pode esperar. “A prioridade absoluta é negociar e quitar dívidas. É mais sensato conversar com a família e amigos sobre sua situação do que comprometer ainda mais o orçamento só para agradar os parentes”, reforça.

Sette Junior também orienta a adotar alternativas mais econômicas, como ceia colaborativa, amigo secreto com valores acessíveis, presentes artesanais e reutilização de decoração. “Celebrar não depende do valor gasto, mas da qualidade do tempo em conjunto com aqueles que amamos.”

O impacto emocional por trás dos gastos impulsivos: por que gastamos mais no fim do ano?

Colega de Fernando Sette no UniBH, a psicóloga e psicanalista Camila Grasseli salienta que o consumismo de fim de ano não é apenas uma questão econômica, mas profundamente emocional. “Temos um componente simbólico nas compras: presentear é uma forma de demonstrar afeto, celebrar relacionamentos e encerrar o ano com algo concreto. Mas para muitas pessoas, esse ato pode preencher um vazio ou compensar frustrações do ano que passou.”

Segundo Grasseli, a pressão social também desempenha um papel central. “Vivemos em uma cultura que associa celebração a consumo. E para algumas famílias, há uma crença: ‘se eu não der presentes, não estarei fazendo a minha parte’. Isso pode gerar um estresse psicológico grande, especialmente se a pessoa já vive com receio de apertos financeiros.”

A especialista alerta ainda para sinais de que o consumo deixou de ser pontual e virou padrão prejudicial quando comprar passa a ser resposta automática para emoções fortes — de alegria ou frustração. Entretanto, na maioria dos casos, o consumo vem acompanhado de um sentimento de remorso, ansiedade ou vergonha diante dos boletos. “Esse ciclo emocional pode afetar a autoestima e levar a comportamentos financeiros autossabotadores, como ocultar dívidas ou evitar renegociações.”

Como estabelecer limites para os gastos impulsivos

Para estabelecer limites saudáveis, a psicóloga reforça que o valor financeiro de um presente não traduz o valor emocional dos relacionamentos. “Um gesto simbólico, um cartão, algo feito à mão, um biscoito preparado em casa — tudo isso comunica carinho sem comprometer o orçamento.”

Por fim, ela sugere estratégias práticas para evitar compras impulsivas. Antes de comprar, vale, por exemplo, fazer uma pausa e se perguntar “por que eu quero isso?”. Se é desejo verdadeiro, culpa, pressão social ou busca de validação. Também é importante, segundo a psicóloga, dialogar sobre limites financeiros abertamente com familiares, definir valores, orçamentos em conjunto, para que todos se sintam parte da decisão e não pressionados. “Para aqueles que já têm um comportamento consumista, táticas como ir às compras acompanhado de alguém menos impulsivo ou bloquear notificações de aplicativos que estimulam o desejo por consumo podem ser uma alternativa”, recomenda. Para situações em que o indivíduo não consegue mais se autocontrolar, Grasseli afirma que uma ajuda médica especializada precisa ser considerada.