Sob o impacto dos riscos do aquecimento global, as novas gerações estão colocando um ponto de interrogação quando o assunto é o futuro
A ansiedade climática pode ser resumida em uma pergunta: “Até que ponto o meu sonho é válido para prejudicar uma outra pessoa?”
É assim que se sente Gabriella Brizotti. A jornalista de 27 anos cresceu com um único sonho: ser mãe. Só que as questões climáticas fazem com que ela se questione se, um dia, será capaz de realizar tudo que imaginou para os filhos que nem existem. “Esse sonho ainda existe. Eu já sei até os nomes que gostaria de dar para os meus filhos. Mas será que seria correto colocar uma criança no mundo para viver uma situação tão complicada igual, ou pior, a que estamos vivendo?”, aponta.
Assim como ela, diversos jovens estão considerando, ou já desistiram de ter filhos devido às preocupações sobre as mudanças climáticas. Algo que os especialistas chamam de “ansiedade climática”.
Fim dos tempos?
A preocupação da nova geração não é algo sem fundamento. De acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em 2021, as mudanças climáticas provocadas pelo homem estão se tornando irreversíveis. Maceió afundando, enchentes no Uruguai, terremotos mortais em vários países, chuvas destruidoras no Rio Grande do Sul, calor excessivo no Sudeste, incêndios florestais e Tuvalu prestes a ficar submerso. Ah, e nós quase esquecemos de mencionar as guerras que estão acontecendo enquanto você lê essa matéria.
Mas o que é ansiedade climática?
Nathalie Gudayol, psicóloga e pós-graduada em Neuropsicologia, explica que a ansiedade climática refere-se à preocupação e ansiedade relacionadas às mudanças climáticas e seus potenciais impactos no futuro. “A decisão de jovens de não quererem ter filhos pode ser influenciada pela preocupação com as condições ambientais e o futuro do planeta. Isso reflete uma conscientização crescente sobre questões climáticas e sustentabilidade.”
Assim também se sente Heitor Bassan, de 26 anos, que quanto mais lê as notícias, mais ele se firma na certeza de que não quer ter filhos, pelo menos não biológicos. “Observar o cenário global em relação a divisão dos chamados recursos naturais e a qualidade dos diversos ambientes foram o que me motivaram. Mas tenho vontade de ter filhos adotivos, com possibilidades de contribuir na manutenção da qualidade climática e cultural”, explica.
Agravou…
Por um outro lado, Ana Ferreira conta que a maternidade nunca foi muito esclarecida na sua vida. Mas sim que pensava ser algo “natural” crescer e ter filhos um dia. “O que aconteceu comigo foi que quanto mais o tempo passava, menos eu tinha vontade de ser mãe, menos eu me imaginava como uma. Quanto mais fui conhecendo a mim mesma e enxergando cenários futuros possíveis, fui percebendo que a maternidade não fazia parte do que eu idealizava para estar ‘completa’. Então foi se tornando um pensamento cada vez menos frequente. De todos os planos que eu tenho hoje para o futuro, ser mãe não está em nenhum deles.”
Agora, ela entende que tem o poder de escolha e vê a maternidade como algo que “não é para ela”, e que tem outras prioridades. E apesar de não ser o principal motivo da sua decisão, ela entende que o agravamento climático é um dos mais relevantes. “É muito mais fácil ignorar esse tipo de preocupação quando você vive em uma realidade em que é fácil driblar os desconfortos climáticos. Agora, para a grande maioria da população, o sentimento é de incerteza, desesperança e medo do que está por vir, principalmente porque estamos sentindo na pele as ondas excessivas de calor e como isso afeta nossa qualidade de vida”, analisa.
Eles podem mudar de ideia?
Sim, igual a toda avó, que quando você fala que não quer ter filhos, responde com: “Ah, mas você vai mudar de ideia!”, nós também perguntamos se isso poderia acontecer com eles. Para Heitor, isso só aconteceria se ele fosse capaz de “oferecer qualidade alimentar com orgânicos, alimentos sem açúcar, se manter próximo a áreas verdes bem arborizadas e contribuir para o desenvolvimento cognitivo e redução na emissão de gases do efeito estufa”.
Algo que, para Ana, é quase que impossível. “Acho que para isso, além de uma reviravolta na minha vida, ia ser preciso eu ver uma transformação sem igual no mundo, e em pouco tempo. Só se, além de surgir a vontade, eu ver que o mundo, principalmente o Brasil, está se tornando um lugar agradável para se viver. Ou pelo menos que haja alguma esperança de que isso aconteça – o completo contrário do que estamos vivendo agora, em que essa esperança se torna cada dia menos palpável”, pondera.