A religião surgiu em algum momento entre os períodos Paleolítico e o Neolítico, com os seres-humanos da época acreditando que os fenômenos naturais eram uma manifestação divina. Mas para chegar aonde está hoje, a religião passou por algumas mudanças com diversas pessoas adaptando-a para os seus entendimentos e “vontades”.
E como a pergunta do título desta matéria é algo complexo, a Mente Afiada Curiosidades sentou com o Padre Roberto Francisco Daniel, mais conhecido como Padre Beto, para debatermos esse tema. Vamos juntos?
Primeiramente…
Antes de mais nada, é preciso entender qual o papel da religião na nossa vida e, até mesmo, por que as religiões surgiram no mundo. Para isso, o Padre Beto pontuou que o homem sempre teve curiosidade de saber se existe algo além dessa vida que vivemos na Terra. “Então, daí surgiu essa busca, que consequentemente levou ao surgimento de respostas que o homem vai tendo por intuição, por uma suposta revelação divina. O que leva ao surgimento das religiões. Mas, para resumir, o papel da religião na nossa vida, é que ela tem a função de estabelecer uma ordem pro ser humano e dar uma certeza para ele do ‘sentido da sua vida’”, responde.
Vale pontuar que esse sentido buscado pelo homem, é uma forma de buscar ajuda nas dificuldades do dia a dia, mas o Padre Beto oferece um outro exemplo: “É uma forma de criar uma ‘narrativa’ para que ele se sinta mais seguro e também se sinta mais otimista para o seu futuro”.
Fé x Religião
Porém, uma coisa que precisamos distinguir é que fé e religião não são a mesma coisa. “Eu posso pertencer a uma religião e ter muita pouca fé. E eu posso ter fé e não pertencer a nenhuma religião”, destaca. O Padre Beto descreve a fé como uma vontade de querer, de ser o impulso de vida que existe em nós. “Se eu alimento isso, eu tô alimentando a minha fé. Agora, a religião, ela vai ao encontro dessa força para intimidá-la, para controlá-la ou incentivá-la. Mas isso depende da religião.”
Então, por que nós ligamos tanto a fé com religião? Padre Beto acredita que é porque oficialmente, é o que as pessoas acham que é onde a fé deve estar. “Nós fomos criados numa sociedade judaico-cristã, que fez com que a gente condicionasse que a fé tem a ver com religião. Então, se eu quero alimentar minha fé, eu tenho que ir a uma igreja, eu tenho que ir a um culto, eu tenho que ir a uma missa, eu tenho que ir a um terreiro de umbanda. Mas eu não preciso estar ligado a uma religião para alimentar esse impulso de vida que eu tenho dentro de mim, na verdade.”
Mas, e quando as pessoas passam por uma dificuldade, elas se viram mais para a fé ou para a religião? “A maioria das pessoas vai para religião”, reflete.
Estamos fascinados pela religião?
Vemos muitas religiões que exigem um certo sacrifício para segui-las, com regras rígidas que envolvem desde jejum durante o dia, até mesmo não aceitar doações de sangue. Quando perguntado o que levou a humanidade a isso, Padre Beto mostra um outro lado da moeda.
“Eu diria que as pessoas entram em religiões tão rígidas, com preceitos tão fortes que podem até ameaçar a vida, porque as pessoas têm um medo muito grande da vida. Então, elas precisam acreditar que existe um ser, um Deus que vai protegê-las, que vai conduzi-las ao caminho do bem, ou que elas acham que é o caminho do bem, que vai fazer com que elas tenham uma vida salva, boa. Isso faz com que essas pessoas entrem numa religião, porque ali elas acham que vão encontrar isso.”
Padre Beto continua: “É esse Deus que vai protegê-las, colocá-las numa redoma de vidro, vai atender os seus pedidos quando precisarem… E elas estão dispostas a tudo. Estão dispostas a pagar 10% do seu ganho, ou a entregar até uma quantia maior de dinheiro, estão dispostas a não aceitar doação de sangue, até a arriscar a vida, mas com a promessa de que se morrerem, elas terão um lugar muito bom, um lugar salvo, um paraíso, onde ela vai poder viver eternamente. Essa é a busca. Mas por quê? Porque se eu tirar tudo isso, toda essa construção, o que me sobra? Me sobra a vida que está aqui. E a vida que está aqui é uma incerteza muito grande”, pontua.
A importância do apoio da religião
Ou seja, a qualquer momento pode acontecer qualquer coisa com você. “Então, o ser humano tem a necessidade de alguém que diga ‘Olha, aconteça o que acontecer, eu estou aqui, eu vou te proteger. Mas mesmo que você morra, eu vou te acolher num lugar muito bom’. Se pararmos para olhar a história, veremos os cristãos lá atrás do Império Romano que morriam por isso. Nas disputas com os Bárbaros, povos do norte, eles prefeririam morrer em batalha do que num leito de morte na velhice. Porque segundo o Deus deles, morrer como um guerreiro, você iria imediatamente para o céu deles, e viveria bebendo cerveja e convivendo com não sei quantas virgens eternamente. Então, se você perguntar, porque as pessoas procuram religião? Por medo.”
Pecar também é um medo
O Padre Beto explica que o ser humano não precisa ser dependente de uma religião para ser uma pessoa boa. “Tem muitos ateus que vivem bem, que são do bem, mas a religião em si é uma forma de dominação do outro. Se de um lado o outro está frágil, porque está com medo da incerteza da vida, quem controla as religiões vai, justamente, ao encontro dessa fragilidade e vai utilizar dela. Então, por exemplo, como padre da Igreja Católica, nós tínhamos a confissão, e eu atendi muitas pessoas, mas a maioria das pessoas vinham confessar o quê? Que elas tinham infringido normas que a religião estabelecia e que eram antinaturais em nome de Deus.”
Ele segue: “Então, Deus cria uma natureza, por exemplo a natureza sexuada, o que os humanos têm impulso sexual, mas aí a religião estabelece normas que são antinaturais, e como são antinaturais o ser humano vai uma hora ou outra vai desobedecer, ele não vai aguentar. E aí então ele vinha a mim, e se eu fosse um padre conservador, que seguisse realmente as normas e tudo mais, ótimo! Eu daria absolvição para ele, falando não peque mais, mas se pecar volta… Mas eu tenho ele na minha mão. Eu tenho esse fiel na minha mão. Ele depende de mim para o perdão”, diz ao trazer uma reflexão para as pessoas que usam o nome da Igreja para si próprios.
Um cenário oferecido de exemplo pelo Padre Beto para essa reflexão é o de uma cidade pequena, onde os fiéis têm essa consciência de que precisam do Padre para o perdão. “O padre não só vai ter essa dependência dos fiéis na mão dele, mas vai ter todo o privilégio do mundo. Mesmo porque ele sabe da vida íntima de todos, né? E essas pessoas têm o perdão dele, que é o perdão de Deus. Então, seguindo com o exemplo: eu vou fazer a quermesse na minha paróquia, é claro que o açougueiro não vai negar para mim uma quantia de carne pra fazer churrasco”, completa.
Igreja x Saúde Mental
Muitas pessoas podem ter ouvido ou lido, sejam para si ou para outros, alguém falando “Você está com depressão porque não tem Deus no coração”. O que, diga-se de passagem, pode causar muitos danos em uma pessoa que segue uma religião ou tem uma fé, e está passando por essa doença. “Não há lugar que atraia mais pessoas doentes do que as igrejas, do que as religiões. É porque na nossa cultura, a pessoa vai buscar a solução dos seus problemas mentais dentro de uma religião ao invés de fazer terapia, buscar um psiquiatra, infelizmente”, lamenta.
Ainda, o Padre Beto oferece uma história de um momento em que viveu. “Lá atrás, quando eu era seminarista ainda, estava começando a minha teologia na Alemanha, um Padre alemão falou para mim uma frase que rimava na língua dele: ‘Cuidado, Igreja faz doente e doente constrói Igreja’.”(BOX)