Já estamos quase em 2025 e, ainda assim, muitas pessoas acreditam que identidade de gênero é uma frescura. E que se você nasceu mulher ou homem, deve se manter fiel ao seu gênero. Mas não é bem assim. Nessa matéria, vamos desmistificar preconceitos e obter uma compreensão mais profunda sobre o papel do cérebro na formação da identidade de gênero. E, para isso, conversamos com Fabiano de Abreu Agrela, pós-PhD em neurociências, e a psicóloga e neuropsicóloga Karliny Uchôa.
Quais regiões do cérebro estão envolvidas na percepção de gênero?
Fabiano explica que a percepção de gênero acontece graças a várias áreas do cérebro que trabalham juntas para interpretar sinais visuais e sonoros. Por exemplo, partes do cérebro, como o giro fusiforme e o córtex orbitofrontal, ajudam a reconhecer rostos e identificar características que associamos aos gêneros. “Outras áreas, como o córtex pré-frontal medial, a ínsula e o precuneus, participam quando atribuímos um gênero a alguém, analisando também a voz e outras informações. Esses processos nos ajudam a categorizar e entender o gênero das pessoas com base nos estímulos ao nosso redor”, completa.
Estudos mostram que o cérebro de pessoas transgênero funciona de maneira um pouco diferente quando comparado ao de pessoas cisgênero (aquelas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer). Essas diferenças aparecem em como certas partes do cérebro se conectam e trabalham juntas. Especialmente em áreas ligadas à percepção do corpo e à identidade de gênero. Por exemplo, mulheres trans têm conexões cerebrais específicas que podem influenciar como elas percebem e vivenciam seu próprio gênero. Isso indica que essas diferenças são parte da estrutura natural do cérebro.
Os hormônios desempenham um papel no desenvolvimento da identidade de gênero
Os hormônios sexuais, como a testosterona e o estradiol, têm um papel importante no desenvolvimento do cérebro, começando antes do nascimento e continuando durante a puberdade. “Por exemplo, a testosterona ajuda a formar partes do cérebro, como o núcleo da estria terminalis, que está ligado a comportamentos e à identidade de gênero. Se houver mudanças na ação desses hormônios em momentos importantes do desenvolvimento, isso pode influenciar como a pessoa vive e expressa sua identidade de gênero”, comenta.
E o ambiente social e familiar, afeta o cérebro?
Karliny Uchôa pontua que o ambiente social e familiar desempenham um papel fundamental na formação da identidade de gênero. “Desde a infância, as interações com familiares, amigos e a sociedade influenciam como uma pessoa percebe e expressa seu gênero. A aceitação ou rejeição da identidade de gênero por parte do núcleo familiar pode impactar significativamente a autoestima e o desenvolvimento emocional daquele indivíduo”, explica.
Além disso, fatores externos, como a cultura, a religião, as políticas e a mídia, podem afetar a percepção e a aceitação da identidade de gênero. “Consequentemente, um ambiente que promove a diversidade e a inclusão tende a facilitar o reconhecimento e a aceitação da identidade de gênero, enquanto ambientes negativos e opressores podem levar à discriminação, dificultando o processo de autoaceitação.”
Teorias psicológicas contemporâneas
Karliny ainda pontua que algumas teorias psicológicas contemporâneas explicam a formação da identidade de gênero. “Teorias contemporâneas, como a teoria da socialização de gênero, abordam a formação da identidade de gênero como um processo dinâmico influenciado por fatores sociais, culturais e individuais. Essas teorias reconhecem a fluidez da identidade de gênero e dão ênfase à importância das experiências pessoais e da autodeterminação, desafiando as teorias tradicionais.”
O cérebro pode se adaptar
Você sabia que o cérebro pode se adaptar ou reconfigurar a percepção de gênero em resposta a experiências vividas? Fabiano explica que experiências de vida, incluindo mudanças sociais e hormonais, podem induzir reconfigurações cerebrais que afetam a percepção de gênero. “Esse fenômeno é observado no aumento de conectividade e na plasticidade em áreas associadas à autoimagem e percepção do gênero.”
Apoio
Contar com uma rede de apoio – em especial, apoio profissional -, para qualquer coisa é fundamental, e não seria diferente quando falamos em identidade de gênero. “A psicologia pode oferecer ajuda emocional, na construção da autoestima e orientação na condução dos desafios sociais, familiares e profissionais. A terapia pode ajudar a desenvolver estratégias de enfrentamento e promover a aceitação da identidade, além de melhorar a ansiedade e a depressão que podem aparecer. Um ambiente de apoio permite que essas pessoas se sintam aceitas e respeitadas, aumentando o desenvolvimento de uma identidade saudável e a capacidade de enfrentamento frente a desafios sociais e pessoais”, destaca Karliny.
O papel da neurociência
Para Fabiano, a neurociência, ao demonstrar que a identidade de gênero possui bases neurobiológicas distintas e multifatoriais, fornece uma perspectiva objetiva que pode desmistificar preconceitos e desinformações. “Estudos que revelam a diversidade de expressões de gênero no cérebro apoiam uma compreensão mais inclusiva e científica do comportamento humano”, finaliza o especialista.