Acumuladores: como funciona a mente dessas pessoas Foto: Divulgação

Essa compulsão pode afetar diversas áreas da vida das pessoas, principalmente a social

Lembra daqueles programas de televisão antigos que mostravam pessoas que acumulavam coisas em suas casas? Podem ser revistas, roupas, itens aleatórios – que não querem jogar fora – e até mesmo lixo. De acordo com o psicanalista e professor de psicanálise, Ricardo Coelho, essa compulsão está relacionada à saúde mental. “O DSM-5 (Manual Diagnóstico Estatístico dos Transtornos Mentais, em sua 5ª Edição) adota o termo ‘transtorno’ para se referir a qualquer tipo de situação que causa intenso sofrimento ou dano para a vida da pessoa ou de terceiros. Neste sentido, a acumulação, por si só, não poderia ser compreendida como um transtorno, e não é”, explica.

Definição

“O transtorno tem a ver especificamente com o sofrimento e/ou com os transtornos que causam à vida da pessoa e daqueles que convivem com ela. O nome mais apropriado seria Transtorno da Acumulação Compulsiva, quando a pessoa não tem domínio sobre o comportamento, é refém dele, passando a ser um transtorno para sua vida”, esclarece o psicanalista.

Acumuladores x colecionadores

Caso você esteja se perguntando se acumuladores é a mesma coisa que colecionadores, estamos aqui para responder que não. “Os colecionadores são aqueles que acumulam de maneira pontual e organizada, sem causar transtorno para sua vida e os demais”, aponta Coelho. 

Agora, quando falamos de acumuladores compulsivos, a ideia de colecionar não se aplica adequadamente. O professor ainda chama a atenção para o fato de que alguns acumuladores podem até usar a ideia de “colecionar” itens, para disfarçar seu comportamento. “Os acumuladores compulsivos tendem a adquirir objetos de toda ordem, de maneira aleatória e sem organização. A sensação de que um dia podem precisar tende a ser o primeiro motivo da aquisição do objeto. No caso do colecionador, outra diferença importante é a sensação de orgulho e vontade de mostrar sua coleção às pessoas. Os acumuladores tendem a sentir vergonha e é mais comum esconderem seus objetos.”

O que leva as pessoas a serem acumuladores? 

Como estamos falando de uma compulsão à acumulação, a pessoa não tem controle sobre si, ou seja, se torna refém desse comportamento. “No caso de objetos”, diz Coelho, “a pessoa sente uma necessidade incontrolável de adquiri-los e grande angústia em descartá-los. É comum haver dois tipos de ação/pensamento. O primeiro é de que não se pode desfazer das coisas porque pode ser que um dia precise daquilo, como um medo eterno da falta que o objeto descartado venha a fazer, uma sensação de que precisa ter tudo antes porque ‘vai que precisa’. É a ideia de que tudo é importante e necessário e um dia será utilizado”, 

Já a outra linha, é justamente ir deixando as coisas acumularem, como uma espécie de desânimo para arrumar o espaço. O psicanalista explica o quanto é interessante que essas pessoas parecem querer ocupar todos os espaços vazios em sua morada, ao mesmo tempo que vivem um vazio enorme de relações, afetos, carinho. “Mas, além dos objetos, também existem acumuladores de animais, onde a ideia de salvá-los, oferecer abrigo, comida e proteção, costuma estar presente como um imperativo. A pessoa costuma sofrer demasiadamente com a ideia de que está deixando de cuidar de um animal que está precisando de sua ajuda, mesmo quando já cuida de dezenas ou centenas deles”, complementa.

É prejudicial

Coelho deixa claro que esse hábito pode causar algum mal para a pessoa, e esse mal seria o “transtorno” do qual estávamos falando. “Pode causar danos em diversas esferas da vida cotidiana. As pessoas próximas podem se distanciar, pode haver conflitos com familiares. Quase sempre são pessoas que vivem sozinhas, pois as outras pessoas não conseguem conviver com elas. Estar sozinho, sentir-se incompreendido, estranho e refém de um comportamento que te domina e te distancia daqueles que você ama, sem dúvida envolve algum nível de sofrimento. Porém, as pessoas podem não atribuir a fonte de seu sofrimento a esse tipo de comportamento. O que dificulta, inclusive, a busca por ajuda.”

Existe tratamento!

O melhor foco é o sofrimento daquela pessoa. Para o professor, o tratamento que busca, em primeiro lugar, mudar o comportamento do paciente tende a fracassar. “O psicólogo ou psicanalista bem preparado cumprirá com o papel de ajudar a pessoa a compreender a origem do problema, possibilitando a construção de recursos emocionais para lidar com a fonte do sofrimento em suas mais diversas aparições.”

Com isso, a mudança do comportamento, neste caso, será um efeito desejável, mas não o foco do trabalho clínico. “Paradoxalmente, é justamente por não ser o foco do trabalho que a mudança do comportamento poderá acontecer no futuro, ao contrário do que poderia supor uma concepção mais rasa e simplista do funcionamento psíquico. Trabalhos interessantes foram desenvolvidos por psicólogos na Zoonoses com acumuladores de animais para resolver questões de saúde pública, pois o acúmulo de animais pode gerar problemas de saúde importantes para a população ao redor, além dos transtornos aos vizinhos”, finaliza Ricardo Coelho.