O que é a dismorfia corporal? Foto: Shutterstock

A dismorfia corporal é um transtorno psicológico onde a pessoa tem uma preocupação excessiva pelo corpo, o que faz com que dê muita importância a pequenas imperfeições. Ou até mesmo, imagine essas imperfeições. “A percepção sobre sua aparência impacta negativamente no dia a dia dessa pessoa, em suas funções, no ambiente profissional e em seus relacionamentos. Esse é um sinal importante de alerta, que sugere um quadro de dismorfismo”, acrescenta o cirurgião plástico, Matheus Manica.

Para o profissional, o dimorfismo é uma condição que precisa ser avaliada e diagnosticada por um psiquiatra. Mas a pessoa dá indícios do transtorno nas consultas com ele. “Notamos quando a pessoa tem uma percepção exacerbada do estado físico dela, de uma limitação ou caraterística física, e essa percepção não é compartilhada por outras pessoas. É um incômodo desproporcional com alguma alteração corporal ou facial”, explica.

Intervenções no corpo

Com essa percepção irrealista, muitas pessoas recorrem a cirurgiões plásticos e dermatologistas para realizar algum procedimento estético, mas de fato, não precisam. Matheus aponta que existe uma alta expectativa de que “aquele incômodo” vai passar assim que a intervenção médica for feita. “Por exemplo, alguém que pense ‘eu não saio na rua, porque acredito que todo mundo olha para o meu nariz, por isso eu fico em casa. Depois que operar o nariz eu vou ter uma vida social normal'”, completa. Sendo que, na maioria dos casos, o mal-estar pela aparência não vai passar.

O dermatologista Otávio Macedo explica que as queixas dos pacientes passam pelo critério da análise clínica do profissional de saúde. Mas é importante entender o que um paciente espera do tratamento. “Embora tratamentos estéticos tenham, sim, efeitos positivos na autoestima e podem ser suportes em tratamentos de transtornos de imagem, eles fazem parte de um escopo maior. Em pacientes com dismorfia, o tratamento sempre precisará de um suporte multidisciplinar, com acompanhamento psiquiátrico, psicológico e de outras especialidades, como um endocrinologista”, afirma Otávio.

Procedimentos comuns

Segundo um estudo da Universidade de John Hopkins, publicado em 2017, as principais demandas de pessoas com dismorfia são faciais, sejam os lábios grandes, ajustes no nariz, contorno da mandíbula, e até mesmo o que é considerada a “pele perfeita”. Além disso, o estudo aponta que a maior parte desses pacientes são jovens de 17 e 22 anos.

Em relação a idade, o dermatologista destaca que isso está muito relacionado à profusão de filtros nas redes sociais, e as pessoas chegam aos consultórios em busca daquela imagem. “É novamente uma busca por uma perfeição que não pode ser alcançada. Um artigo da Escola de Medicina de Boston, nomeou esse fenômeno como “Dismorfia do Snapchat”, um dos primeiros aplicativos a contar com esse tipo de filtro. Hoje já podemos chamá-la pelo nome de quase qualquer rede social que seja baseada em imagens”, assinala Otávio.

Relatos

O cirurgião plástico Matheus Manica contou com exclusividade para a Mente Afiada um caso sobre dismorfia corporal de uma paciente. “Minha paciente se incomodava com a mama, e já tinha realizado várias cirurgias, mas tinha flacidez, uma caraterística da pele dela. Ela sempre achava que era um erro cirúrgico, que não foi bem realizada e não sustentou a pele, e tentou inúmeros procedimentos. No entanto, o resultado desses procedimentos melhoraram sim as queixas que ela tinha, mas havia essa limitação da flacidez que está relacionada às características da pele.”

Ele segue: “Ela se comparava com outros grupos de pacientes e acreditava que seu relacionamento tinha chegado ao fim devido a essa questão de forma isolada, o que é uma percepção desproporcional. Isso demonstra a limitação da técnica em relação ao que o paciente espera melhorar. Por mais que um tratamento seja bom, ele não vai resolver a questão de base. Não vai “salvar” um relacionamento, não vai melhorar a vida social do paciente. Nesses casos é importante não operar e encaminhar para o psiquiatra (o que nem sempre o paciente aceita)”, relembra o médico.

Relatos

O dermatologista Otávio afirma que a disformia é muito comum em pessoas que estão passando por situações que as deixam mais sensibilizadas, como uma separação, um divórcio ou um término de relacionamento. É nessa fase que o paciente procura tratamento, quando,  na verdade, precisa de cuidados psicológicos. “É como se fosse uma forma de compensação para esse vazio existencial, situações em que o dismorfismo fica até mais evidente. Esse pensamento de que se tem que mudar, ou que se tem que melhorar a autoestima como uma solução”, completa o profissional.

Um caso que marcou sua carreira foi de uma jovem paciente. “Aqui é visível outro ponto também, a influência da dinâmica familiar, foi de uma paciente com acnes escoriadas, ou seja, mexidas. Ela era toda traumatizada e não se conformava com essa alteração. É uma alteração emocional psíquica compensatória, quanto mais ela mexe [nas acnes], mais aparecem problemas. Ou seja, à medida que ela se autoflagelava, as marcas e as cicatrizes iam se formando, refletindo na percepção da imagem corporal”, relembra.

Visão da psicologia sobre a dismorfia corporal

Por mais que a doença não seja recente, a era da internet espalhou mais a disformia entre as pessoas, que buscam a perfeição que os filtros, presente em plataformas como Instagram e Tik Tok. Para a psicóloga, Maria Rafart, desde sempre as pessoas convivem com sua própria imagem diante do espelho com sofrimento, mas as redes sociais trouxeram mais elementos para comparação. 

“Além disso, é válido apontar que o Transtorno Dismórfico atinge todos os gêneros, mas observo na prática que mulheres tendem a se achar com mais sobrepeso, e homens possuem o transtorno na forma de vigorexia: malham, tomam substâncias anabolizantes ilícitas, e mesmo assim, acham que ainda estão magros demais, muito pequenos, perto do tamanho que gostariam de ter”, argumenta a psicóloga.

Outro distúrbios junto da dismorfia corporal

Podemos ver que os distúrbios alimentares são frequentemente acompanhados de dismorfia. “Na anorexia, por exemplo, é muito comum a pessoa se enxergar maior e mais pesada do que é na realidade. Pessoas com estados críticos de magreza causada pela anorexia costumam relatar que se veem ainda acima do peso”, analisa Maria.

O tratamento dessa doença é feito com Terapia Cognitivo-Comportamental, que tem mostrado bons resultados nesta área. “Há cura, mas ela passa por um cuidado psicológico minucioso para a total remissão. Mesmo assim, é necessário estar sempre vigilante, para não ter recaídas no futuro”, finaliza a psicóloga.