O que acontece no cérebro ao morrermos? Foto: Pixabay

Nos momentos finais, o órgão passa por várias mudanças em sua atividade

Em uma pesquisa publicada em 2018 na Annals of Neurology, cientistas monitoraram 10 pacientes em estágios terminais com diversos eletrodos para observar a atividade neurológica. Em conclusão, oito deles, observou-se movimentos das células cerebrais que tentavam impedir a morte. Mas o que de fato acontece com o cérebro nos momentos finais da vida?

Muita coisa muda no cérebro…

Lívia Ciacci, mestre em neurociências e parceira do SUPERA – Ginástica para o Cérebro, aponta que o cérebro, nos momentos finais da vida, passa por várias mudanças em sua atividade. “Os neurônios funcionam com íons carregados, o que cria um potencial elétrico entre eles e seu ambiente (como uma pilha) – isso permite que pequenos impulsos, ou sinais, sejam gerados.”

Nesse sentido, a especialista diz que os cientistas deste estudo mencionado acima viram que a manutenção deste sistema foi ficando cada vez mais difícil. “Quando o corpo morre e o fluxo de sangue para, os neurônios – sem oxigênio – tentam acumular os recursos que sobraram. Portanto, os neurônios se ‘calam’ e, em vez de enviar sinais, usam suas reservas de energia para manter cargas elétricas internas, esperando o retorno de um fluxo de sangue. Esse fenômeno, conhecido como “depressão não dispersa,” ocorre em todo o cérebro.

O que vem em seguida  é a fase da ‘despolarização da difusão’, conhecida como ‘tsunami cerebral’. Ocorre uma grande liberação de energia térmica, porque o equilíbrio eletroquímico que mantinha as células vivas entram em colapso – esse ‘tsunami’ leva à intoxicação e destruição das células. Os cientistas observaram essas reações e explicam que, à medida que o oxigênio deixa de chegar, a atividade elétrica também é interrompida.

Vários neurotransmissores

Durante o processo de morte cerebral, Lívia destaca que diversos neurotransmissores são liberados, pois é refletida a resposta do cérebro ao estresse extremo e déficit de oxigenação. Os principais neurotransmissores envolvidos são:

  • Glutamato (neurotransmissor excitatório)

Durante o processo de morte cerebral, Lívia destaca que o cérebro libera diversos neurotransmissores em resposta ao estresse extremo e ao déficit de oxigenação.

  • GABA (neurotransmissor inibitório)

Liberado em resposta compensatória à superexcitação tóxica do excesso de Glutamato, mas é insuficiente para proteger os neurônios.

  • Dopamina

Durante a morte cerebral, há uma liberação massiva de dopamina, neurotransmissor associado ao sistema de prazer e recompensa, em níveis muito elevados, contribuindo também para o dano neural.

  • Serotonina

Também há liberação de serotonina, envolvida diretamente na regulação do humor, em resposta ao estresse extremo. Isso pode influenciar as experiências da consciência durante os momentos finais de uma pessoa.

  • Noradrenalina

O cérebro libera esses neurotransmissores durante a falta de oxigênio; como o metabolismo fica comprometido, essa liberação ocorre em excesso, levando a uma superestimulação que resulta em danos neuronais.

  • Acetilcolina

Também há liberação de acetilcolina, envolvida nas funções cognitivas e motoras, sendo liberada descontroladamente, influenciando na função neurológica residual.  

“Esses neurotransmissores e suas mudanças nos níveis refletem uma resposta complexa do cérebro ao estresse terminal e ao colapso dos sistemas de manutenção de homeostase, e ainda são estudados até o presente momento”, destaca.

Morte cerebral

Sabe quando dizem que uma pessoa teve morte cerebral, mas não entende de fato o que é isso? “A morte cerebral se caracteriza por perda completa e irreversível de todas as funções cerebrais, incluindo do tronco cerebral. O sinal mais característico é um EEG isoelétrico, também chamado de EEG plano. Significa que não há atividade elétrica detectável no cérebro, indicando completa ausência de ondas cerebrais, e é um critério usado para diagnosticar morte cerebral”, explica Lívia.

Além disso, a especialista ainda pontua que, antes de atingir esse estado, o EEG pode mostrar uma atividade de baixa amplitude, com ondas de intensidade reduzida, muito fracas e incompatíveis com a função cerebral normal. “Nos estágios iniciais de morte cerebral, pode ser observado uma desorganização progressiva das ondas cerebrais. As ondas alfa, beta, delta e teta se tornam quase indiscerníveis e a atividade geral se torna caótica antes de desaparecer totalmente. Um cérebro morto não é capaz de reagir a estímulos externos, como luzes, sons, estímulos motores e externos. Essa ausência de reatividade indica que não há funcionamento cerebral em nenhuma parte do cérebro.” (BOX)

Quais áreas do cérebro são as últimas a cessarem a atividade antes da morte completa?

Antes da morte completa, em contextos de falência orgânica terminal, Lívia diz que algumas áreas do cérebro podem continuar a exibir atividade, e outras cessam antes. Veja quais são as áreas que exibem atividade até a morte completa:

  • Tronco cerebral

Essencial para funções vitais como batimentos cardíacos, respiração e controle da pressão arterial, pode permanecer ativo por um período após a cessação da atividade cortical, é o que estudos recentes indicam. 

  • Hipotálamo

Desempenha um papel crucial na regulação do SNA, temperatura corporal, fome e sede.

  • Sistema límbico

Responsável pelas emoções e memórias também pode manter sua atividade até o fim. 

“Quando a morte se aproxima, ocorre uma falência progressiva global dos sistemas neurológicos e orgânicos, a atividade cerebral se deteriora gradualmente devido a hipóxia e a falta de perfusão sanguínea, e, aí sim, finalmente leva à cessação completa da atividade neuronal.”

Há evidências de consciência ou atividade mental residual no cérebro após a morte?

Existem muitos estudos acerca deste tema, e ainda é muito intrigante. Muitas pessoas reanimadas após parada cardíaca relatam experiências de quase morte que incluem visões de um túnel, sensação de paz, luzes, encontros com entes queridos já falecidos e até uma revisão da própria vida. “Esses relatos são muito estudados e ainda não são totalmente compreendidos. Existiu um estudo chamado AWARE (sigla inglesa para ‘consciência durante ressuscitação’) que investigou a consciência durante a parada cardíaca em 25 hospitais.

Os resultados mostraram que alguns pacientes relataram memórias e consciência, podendo continuar por um curto período após a cessação do fluxo sanguíneo cerebral. A interrupção do fluxo sanguíneo, que causa a hipóxia, leva rapidamente a perda de consciência. No entanto, a reanimação bem sucedida pode restaurar a circulação e atividade cerebral. E, em alguns casos, permite que os pacientes relatem experiências conscientes ocorridas durante o período da parada cardíaca. Embora existam relatos e algumas evidências que sugiram a possibilidade de consciência ou atividade mental, a compreensão total desses fenômenos ainda está em desenvolvimento, e é um estudo contínuo para discernir se essas experiências são fruto de processos cerebrais residuais, estados alterados de consciência ou outros fatores não identificados”, finaliza Lívia.