
Se os personagens da trama global fizessem terapia, como seria a interpretação psicológica deles? A psicóloga Tatiane Paula, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, conta pra gente!
Segundo ela, a ficção tem o poder de nos revelar verdades escondidas, e poucas novelas conseguem fazer isso com tanta maestria quanto Vale Tudo, obra-prima da dramaturgia brasileira que retornou às telas recentemente, adaptada por Manuela Dias. “Como psicóloga clínica especializada em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), observo esses personagens sob uma lente que vai além da narrativa, enxergando os pensamentos disfuncionais, os esquemas de crença e os comportamentos que moldam suas histórias e que, não raro, espelham tantas realidades humanas”, conta.
Tatiane compartilhou uma breve análise dos principais personagens da história, destacando seus intérpretes originais e atuais.
CÉSAR RIBEIRO
• Versão original (1988): Carlos Alberto Riccelli
• Remake (2025): Cauã Reymond
César é o clássico sedutor que usa o charme como escudo. “Por trás da autoconfiança está uma profunda necessidade de validação externa. Na perspectiva da TCC, ele provavelmente alimenta crenças centrais como ‘sou digno apenas se for desejado’ ou ‘preciso ser admirado para valer algo’. Sua impulsividade afetiva revela déficits de regulação emocional e dificuldade de construir vínculos autênticos.
MARIA DE FÁTIMA ACCIOLI
• Versão original (1988): Glória Pires
• Remake (2025): Bella Campos
Ambiciosa e dissimulada, Maria de Fátima age movida pela crença disfuncional de que ‘O mundo é uma competição e só os fortes vencem’. “Sua dificuldade em sentir empatia e seu comportamento manipulador sugerem distorções cognitivas como maximização de méritos próprios e minimização de danos alheios. É um retrato claro de um esquema de grandiosidade e merecimento, frequentemente reforçado por um ambiente permissivo ou negligente”, destaca a psicóloga.
MARCO AURÉLIO CANTANHEDE
• Versão original (1988): Reginaldo Faria
• Remake (2025): Alexandre Nero
Marco Aurélio é o empresário que opera sob a lógica ‘o fim justifica os meios’. “Ele representa o narcisismo oculto altamente adaptado socialmente, mas, orientado por metas de autoengrandecimento. A racionalização constante de seus atos antiéticos é uma estratégia cognitiva de neutralização, muito comum em quadros onde a integridade é substituída por uma busca incessante por status”, afirma Tatiane
RAQUEL ACCIOLI
• Versão original (1988): Regina Duarte
• Remake (2025): Taís Araújo
Raquel simboliza a resiliência, e ao contrário de outros personagens, ela estrutura sua identidade em valores sólidos, mesmo diante das adversidades. Para Tatiane, “Sua trajetória mostra o poder das crenças fortalecedoras, com frases como ‘posso enfrentar desafios’, ‘minha dignidade é meu valor’, que são recursos cognitivos protetores fundamentais para quem busca saúde mental. Ela é a representação do equilíbrio entre emoção e razão”.
AFONSO ALMEIDA ROITMAN
• Versão original (1988): Cássio Gabus Mendes
• Remake (2025): Humberto Carrão
Afonso é um personagem em constante busca por aceitação, ainda que isso signifique abrir mão de si. “É possível observar um esquema de subjugação, em que ele se anula para manter a harmonia ou não perder o afeto de figuras dominantes. Sua postura revela também pensamentos automáticos como ‘se eu discordar, serei rejeitado’, que o aprisionam em relações assimétricas.
HELENA ALMEIDA ROITMAN (HELENINHA)
• Versão original (1988): Renata Sorrah
• Remake (2025): Paolla Oliveira
Heleninha lida com a dependência química, e sua história é marcada por traumas emocionais e vínculos afetivos desorganizados. De acordo com a psicóloga, a TCC trabalha muito com os ‘gatilhos’ que ativam comportamentos de fuga, como o uso de álcool e as emoções por trás deles. “Sua dor, muitas vezes silenciada, é expressa por meio de comportamentos autodestrutivos, que sinalizam pedidos de socorro mal-interpretados”, reforça.
ODETE ALMEIDA ROITMAN
• Versão original (1988): Beatriz Segall
• Remake (2025): Débora Bloch
Odete é o retrato da rigidez moral disfarçada de sofisticação. Seu perfeccionismo, controle excessivo e frieza emocional podem ser lidos como defesas contra um mundo que ela acredita ser caótico e indigno de confiança. “Crenças como ‘só posso confiar em mim mesma’ e ‘os outros são inferiores’ alimentam um esquema de desconfiança e isolamento, típico de perfis autoritários.”
SOLANGE DUPRAT
• Versão original (1988): Lídia Brondi
• Remake (2025): Alice Wegmann
Solange é sensível, porém determinada. Vive com dilemas éticos e conflitos internos, o que mostra uma estrutura de pensamento mais elaborada, mas também marcada por autoquestionamentos constantes. “Ela vive o conflito entre o desejo de pertencimento e a necessidade de se manter fiel a seus valores algo que, na TCC, chamamos de dissonância cognitiva”, reflete Tatiane.
A profissional finaliza afirmando que esses personagens são, antes de tudo, espelhos. “Cada um, com suas complexidades, revela camadas que muitas vezes escondemos no cotidiano. Ao analisar Vale Tudo com o olhar clínico da TCC, o que vemos não são apenas tramas bem escritas, mas construções psicológicas profundas que continuam atuais.”
E Tatiane deixa uma pergunta: “Vale tudo mesmo? Ou será que é hora de revisitar nossos próprios valores?”