
Símbolo do Carnaval, Quitéria Chagas relança sua biografia e mostra que, por trás do brilho da avenida, há uma mulher que resiste
Quitéria Chagas é sinônimo de força, elegância e representatividade no Carnaval. Mas agora, além do reinado na Sapucaí, a musa também brilha como autora. Com o relançamento de sua biografia Quitéria Chagas: do Carnaval para o Mundo – a Rainha que Quebrou Barreiras, a artista destaca sua trajetória, marcada por lutas e conquistas. “Revisitar a minha história mexeu com muita coisa, porque eu vivi processos que não foram fáceis – principalmente por ser mulher preta, sambista e vinda da base. Mas foi necessário. Não queria esperar envelhecer para ver minha trajetória reconhecida”, conta em entrevista exclusiva à MALU.
“Sempre admirei as matriarcas do samba que vieram antes de mim, mas vi muitas terem suas histórias apagadas ou contadas por outros. Eu não. Quis escrever com minha própria voz, com o olhar de quem viveu cada detalhe.”
Este ano, Quitéria marcou presença na Bienal do Livro, e levou sua voz para um novo palco. “Ali, eu pude apresentar minha história para um público diferente, mostrar que a mulher do samba também é autora, pensadora, voz ativa. É um livro que mostra quem eu sou por inteiro, além da fantasia e do brilho da avenida.”
Memória, resistência e inspiração
Mais do que uma biografia, o livro é um manifesto. Quitéria faz questão de registrar o que tantas outras deixaram apenas na oralidade. “Eu sempre soube que escrever minha história era necessário, mas ficou mais forte quando muita gente começou a me pedir. Aí veio o falecimento do meu marido e senti que precisava reconstruir tudo. Descobri registros históricos da primeira rainha negra dos anos 50 — coisas que ninguém fala. E eu falo no livro”, revela.
Ela sabe que contar sua história é também uma forma de preservar a memória de quem veio antes. “A maioria das mulheres que vieram antes de mim viveram histórias incríveis, mas quase ninguém registrou. Se a gente não contar, ninguém vai contar por nós.”
Muito além da fantasia
Quitéria também reflete sobre os estereótipos que cercam o Carnaval. “A gente precisa parar de ver a mulher do samba como só uma imagem. A rainha de bateria é uma profissional, uma representante cultural. Quando o cargo vira moeda de troca, todo mundo perde. Ainda tem muita gente que associa a gente só à sensualidade. Mas a mulher preta do samba tem pensamento, formação, posicionamento.”
A vivência internacional, especialmente na Itália, reforçou sua missão. “Lá, a inclusão é muito teórica. Depois da pandemia, a xenofobia e o racismo ficaram ainda mais fortes. Percebi que nossa cultura precisa ser contada por nós, de forma correta. Quero levar isso adiante, quem sabe num livro bilíngue, num documentário. Mostrar que não sou só rainha de bateria, mas também sou voz, história e pensamento”, pondera.
Para as que virão
A mensagem que Quitéria deixa para as novas gerações é clara: “Que elas não precisam se encaixar em nada que diminua quem elas são. Podem ser tudo. Vivi a solidão da mulher preta, senti na pele o preconceito. Mas transformei tudo isso em força. O livro mostra que dá pra quebrar barreiras, sim. E que a nossa existência já é, por si só, uma revolução.”