Além de um vício, o alcoolismo normalmente representa um sinal de alerta para a saúde mental

Chegou setembro, e com ele a famosa campanha Setembro Amarelo, iniciada em 2015, que visa a conscientização sobre o suicídio. Entre erros e acertos, é inegável que o tema passou a fazer parte do imaginário popular, ainda que as vezes não exatamente da forma correta. Para muitas pessoas, inclusive enlutados por suicídio, a data acabou virando praticamente algo mercadológico, para que empresas e pessoas postem sobre o tema em redes sociais. Mas se é para falar honestamente e de forma efetiva sobre sofrimento psíquico, há um alerta específico que não deve ser ignorado: o alcoolismo.

Alerta vermelho

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo exagerado de álcool foi responsável pela morte de 2,6 milhões de pessoas em 2019, último ano em que houve dados disponíveis sobre esse tema, sendo 90 mil dessas mortes no Brasil. Acontece que, embora pouco falado, o álcool é uma droga depressora do sistema nervoso, o que pode exacerbar os sintomas de depressão e outros transtornos, levando, inclusive, à morte.

Um suicídio indireto

“A relação entre depressão e alcoolismo é bidirecional. A depressão pode levar ao uso de álcool como uma forma de automedicação, enquanto o consumo excessivo de álcool piora sintomas depressivos. Inclusive, o próprio uso dependente do álcool pode levar ao suicídio”, explica a psicóloga Larissa Fonseca.
Muitas vezes, será até difícil estabelecer o que veio primeiro. “Pesquisas em psicologia clínica e neurociências revelam que tanto a depressão pode levar ao desenvolvimento do alcoolismo, quanto o consumo crônico de álcool pode desencadear ou intensificar episódios depressivos. Não há uma direção única nesta relação e, em muitos casos, a depressão precede o alcoolismo, funcionando como um fator de risco, enquanto em outros, o abuso de álcool contribui diretamente para o surgimento ou agravamento desse quadro”, complementa Leninha Wagner, doutora em psicologia.

Fatores de risco para depressão e alcoolismo são:

Traumas; estresse crônico; ambientes disfuncionais, principalmente durante a infância; predisposição genética; e necessidade de automedicação, como uma tentativa de fuga emocional.


Mas por que isso ocorre?

Socialmente, crescemos assistindo à propagandas de bebidas alcoólicas, o que faz com que, inconscientemente, para boa parte de nós, seja impossível dissociar bebidas de diversão. Essa crença parece ser inocente, mas só até observamos os dados. Um estudo americano de 2023, realizado pela Research Society on Alcoholism, concluiu que os efeitos do álcool, tanto negativos (a famosa ressaca), quanto positivos (a tal ‘coragem líquida’, aquela euforia pós-drink), são mais potentes em portadores de depressão e ansiedade.
O estudo analisou mais de 25 mil pessoas e apontou que quanto mais fragilizado emocionalmente, maiores são os riscos de se tornar alcoólatra. “Muitos indivíduos deprimidos recorrem ao álcool na tentativa de aliviar seus sintomas, usando-o como uma forma de escapar do sofrimento. Essa prática geralmente cria um ciclo vicioso, agravando tanto a depressão, quanto a dependência de álcool”, afirma Leninha.

Os sinais do alcoolismo

A OMS já tenha em suas diretrizes que nenhum consumo de álcool é 100% seguro para a saúde. Porém, a psicóloga Larissa Fonseca listou os sintomas de quando a bebida está se tornando prejudicial. “O primeiro alerta é quando a pessoa passa a usar o álcool como forma de fuga dos sentimentos ruins, como a tristeza ou vazio. Ela se convence de que não irá beber muito e, quando menos percebe, já perdeu o controle, principalmente em ambientes inadequados, como numa festa infantil, por exemplo. Além disso, há as mudanças bruscas de humor, como irritabilidade, isolamento, perda de interesse em atividades que antes eram importantes e a dificuldade de manter responsabilidades”, alerta.

Enfrentando o alcoolismo

Larissa comenta que o primeiro passo é enfrentar o estigma e admitir que o consumo de álcool virou um problema. É essencial buscar ajuda imediata em grupos de apoio, como os Alcoólicos Anônimos (AA), já que quem sofre com depressão precisa estar em tratamento psicológico continuo para coibir riscos, inclusive de dependência química do álcool. A psicóloga oferece algumas dicas:

• Atividade física;

• Educação sobre os riscos do uso de álcool e outras drogas que aparentam ser facilitadoras, porém agravam o sofrimento;

• Buscar uma rede de apoio, como terapias, grupos de apoio e reabilitação. “Além disso, em alguns casos, o tratamento com medicamentos antidepressivos pode melhorar o quadro, desde que o uso de substâncias seja monitorado cuidadosamente”, adiciona Leninha.

O papel da família

“A família pode ser essencial no tratamento justamente por incentivar a adesão, além de ajudar a coibir o acesso ao álcool. Um ambiente de apoio emocional pode oferecer proteção contra o desenvolvimento tanto da depressão, quanto do alcoolismo, enquanto um ambiente familiar disfuncional ou com histórico de abuso de substâncias pode aumentar vulnerabilidades”, ela orienta. “Muitas pessoas evitam ajuda por medo de serem julgadas, o que pode atrasar a busca por ajuda e piorar o quadro clínico”, finaliza Leninha.