Vamos começar com o elefante na sala: a geração Z, ou seja, os nascidos entre 1995 e 2010, fazem menos sexo que as gerações anteriores. Segundo um levantamento da psicóloga estadunidense Jean Twenge, a estimativa é que, enquanto os membros da geração X (nascidos entre 1965 e 1981) tiveram cerca de 10 parceiros ao longo da vida, os atuais jovens adultos da geração Z estão tendo cerca de 5. E as explicações para esse fenômeno podem ser as mais diversas. Essa é a geração com mais diagnósticos de transtornos mentais, como ansiedade e depressão, da história. Diversos países, inclusive o Brasil, têm enfrentado empobrecimento, com a porcentagem de brasileiros na classe D e E aumentando de 48% para 51% entre 2012 e 2022. O que, em efeito cascata, afeta a sensação de bem-estar e, consequentemente, a libido. Mas, espere aí, libido é apenas sobre sexo?
Sim e não
Popularmente, libido foi atrelada a desejo sexual. Porém, segundo Paulo Tessarioli, sexólogo, terapeuta sexual e Presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual (ABRASEX), essa simplificação é um tanto incorreta. “Libido tem mais a ver, conceitualmente, com pulsão de vida, energia vital mesmo”, explica.
Fazendo a diferenciação, segundo o especialista, as principais causas da perda de libido são aquelas que vão de encontro com um estilo de vida saudável. “Já as causas da perda de interesse sexual especificamente podem ser ainda mais diversas. Como, por exemplo, a ansiedade na hora do sexo, baixa autoestima, histórico de abuso sexual ou emocional, vivências desastrosas das primeiras relações sexuais, partos traumáticos e as relações a dois conflituosas”, afirma. Ou seja, são conceitos próximos, mas não exatamente iguais.
Libido não é só sexo, mas…
Se libido é também pulsão de vida, a coisa não continua das melhores para a geração Z. Isso porque essa geração é conhecida por ter grandes preocupações. Como, por exemplo, justiça social e crise climática, ao passo que, paradoxalmente, são pessimistas diante desses mesmos assuntos. Novamente com um exemplo, mais de três quartos do eleitorado abaixo dos 30 anos nos Estados Unidos afirmou, em uma pesquisa realizada pelo The Wall Street Journal, que estavam desiludidos com o futuro do país, independentemente de quem ganhasse a eleição presidencial de 2024. Com a recessão econômica em diversos países, inclusive no Brasil, muitos desses jovens acabam se tornando dependentes dos pais, formando a famosa geração ‘nem-nem’ (nem estudam, nem trabalham). O que atualmente representa cerca de 4,6 milhões de brasileiros.
Se o desânimo é generalizado com relação a questões macro, como economia, política ou futuro, de onde tirar forças para, efetivamente, viver as experiências individuais, inclusive a vida sexual? “Essa dependência dos pais parece acabar prejudicando a vida sexual dos jovens. Mas também parece que eles não ligam, uma vez que não abrem mão do conforto. Além disso, ainda há as telas, já que as redes sociais, aplicativos de encontro e mesmo conteúdos adultos acabam ‘competindo’ com o contato humano”, complementa Paulo.
A culpa da falta de libido é do estresse?
Como mencionado anteriormente, essas coisas estão interligadas. “O estresse prejudica a saúde mental. E o desejo sexual acontece justamente na subjetividade. Logo, o desejo sexual é afetado diretamente pelo estresse, na medida em que prejudica a saúde mental. Muitas vezes, sob efeito do estresse, a pessoa não consegue se concentrar na hora do sexo. Quer seja porque tem pensamentos disfuncionais que prejudicam o seu desempenho, quer seja porque fica irritada ao perceber que não está sentindo prazer”, exemplifica o terapeuta.
Há futuro?
Ao contrário do que possa parecer, essa matéria não é pessimista, mas sim realista. Um cenário que muitas pessoas parecem não levar em conta é que o mundo está passando por enormes transições em diversos aspectos. Somos unfluenciados pela ascensão das redes sociais, melhorias nos estudos científicos e, inevitavelmente, também no cenário político e econômico permeado por crises. “Socialmente, há o grande mito de que se você é jovem automaticamente é saudável, renovado, com vida sexual ativa e etc. Enquanto que ser velho seria sempre estar em declínio. Como os dados nos mostram, isso é tudo estereótipo”, comenta o especialista.
Mas, falando em estereótipos, quem vem questionando cada vez mais os papéis de gênero são, justamente, a geração Z. Onde cerca de 20% dos jovens brasileiros se identificam como LGBTQIA+, segundo um levantamento de 2024 do Instituto Ipsos. Isso significa que, apesar do cenário cada vez mais nebuloso que o mundo apresenta, esses mesmos jovens ‘pessimistas’ estão se tornando mais abertos com relação à própria sexualidade.
Com o tempo, pode vir dessas pessoas a mudança de paradigmas que até então estão estabelecidos na nossa sociedade, como a visão de que homens inevitavelmente têm mais desejo sexual que mulheres. E sim, essa visão é uma falácia e Paulo explica o porquê. “Socialmente, homens são muito mais estimulados desde sempre a terem maior interesse sexual, ao passo que mulheres enfrentam o oposto, que é a repressão desde cedo da própria sexualidade”, ou seja: não dá pra jogar na conta apenas da biologia algo que é, principalmente, cultural.
Transformações (individuais e coletivas) podem impactar a libido
Cada pessoa não conseguiria, individualmente, mudar o cenário social de seu país. Mas se a ideia é apenas começar pensando em recuperar a sua própria libido (e não só para o sexo, como bem falamos aqui), buscar por terapia como uma forma de recuperar a autoestima é um bom início. “Muitas desordens mentais, como, por exemplo, depressão e ansiedade, prejudicam a libido e o desejo sexual. No caso do segundo, a terapia sexual é a mais eficaz, já que um dos objetivos dela é justamente auxiliar o cliente a compreender sua história sexual e o seu desenvolvimento”, aconselha Paulo.
Mas não, toda essa mudança no paradigma sexual que estamos vivendo não é o fim do mundo. Na espécie humana, o desejo sexual é fundamental para o funcionamento e comportamento sexual, de modo que a pessoa pode escolher não ter desejo sexual e estar tudo bem com ela. Ou, como Paulo finaliza dizendo: “O desejo sexual faz parte do instinto. Porém, o animal humano é o único que não é necessariamente preso aos instintos”.