Trânsito, clima, trabalho, finanças, filhos. Esses são alguns dos temas da reclamação diária das pessoas. Para muitos, reclamar de alguma coisa pode parecer algo inofensivo e, até mesmo, terapêutico, mas o queixume crônico, ou a reclamação constante, tem um forte impacto na saúde mental, emocional e física.
A reclamação constante fortalece redes neurais associadas ao pensamento negativo, promovendo a ativação repetitiva de circuitos no cérebro que amplificam emoções como frustração e insatisfação, explica Roselene do Espírito Santo Wagner, PhD em neurociências. “Com o tempo, essa repetição molda o cérebro, tornando-o mais propenso a reagir de forma negativa a situações cotidianas. Esse padrão pode levar a uma hiperatividade do sistema límbico, especialmente da amígdala, aumentando a vulnerabilidade à ansiedade, irritabilidade e, em casos prolongados, à depressão”, completa.
A reclamação golpeia o corpo
Roselene destaca que reclamar ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), levando à liberação excessiva de cortisol, o hormônio do estresse. Isso pode manifestar-se no corpo por:
- Dores musculares (decorrentes de tensão persistente);
- Fadiga crônica e sensação de esgotamento;
- Distúrbios digestivos, como náuseas, refluxo ou dor abdominal;
- Dificuldades de sono, incluindo insônia ou sono fragmentado;
- Sistema imunológico enfraquecido, o que pode resultar em maior suscetibilidade a infecções. (box)
Até mesmo o cérebro
Só que reclamar do sol, da chuva, do calor, do frio, e assim por diante, pode moldar a sua vida e o seu corpo de maneiras que você nunca poderia imaginar. Isso porque, alguns estudos indicam que o ato de lamentar-se demais tende a causar mudanças estruturais no cérebro. “Estudos em neurociência demonstram que o hábito de lamentar reforça a ativação repetitiva do córtex pré-frontal em estados negativos, prejudicando sua função em tarefas como planejamento e resolução de problemas. Além disso, a hiperatividade crônica da amígdala interfere na comunicação entre o sistema límbico e o córtex pré-frontal, reduzindo a capacidade de regular emoções e tomar decisões racionais. Isso cria um ‘cérebro reativo’, mais inclinado a problemas de atenção e menor flexibilidade cognitiva.”
“Ele(a) reclama de tudo!”
Se você parar para pensar, provavelmente tem uma pessoa na sua vida que é definida por essa frase acima. E marcar qualquer evento com ela é uma tortura, porque uma coisa é fato: ela vai reclamar de alguma coisa. Ou seja, além de afetar a sua vida, se lamentar por tudo pode impactar também os relacionamentos interpessoais, o que pode levar a:
- Menor conectividade emocional, já que o foco excessivo nos problemas pode afastar as pessoas próximas;
- Alterações no tônus emocional de conversas, criando barreiras para diálogos produtivos;
- Reforço de padrões negativos no grupo, especialmente quando outros começam a replicar o comportamento;
- Com o tempo, esse ciclo pode gerar desgaste nos relacionamentos e redução na qualidade da convivência.
Sua reclamação, seu padrão
A repetição do ato de reclamar, de acordo com Roselene, reforça circuitos neurais, tornando-o uma resposta automática e habitual. Para evitar esse padrão, é necessário reverter o processo de neuroplasticidade negativa com técnicas que promovam conexões saudáveis, como:
- Treinamento de atenção plena: Foque ativamente em pensamentos e emoções positivas para desativar redes neurais ligadas ao negativismo;
- Redirecionamento de foco: Sempre que surgir o impulso de reclamar, busque identificar aspectos construtivos ou possíveis soluções;
- Técnicas de visualização: Crie imagens mentais de cenários positivos para estimular o córtex pré-frontal e reduzir a ativação do sistema límbico;
- Exercícios de autorreflexão: Pergunte a si mesmo se a reclamação agrega valor à situação, promovendo maior autorregulação emocional.
Mude sua vida
Por fim, a especialista indica que, para mudar a sua vida e tirar o foco da reclamação, além de buscar tratamento com um psicólogo, é possível seguir os passos abaixo.
- Análise de gatilhos: Identifique os momentos e situações que mais estimulam o impulso de reclamar, criando consciência para evitá-los ou enfrentá-los com uma perspectiva mais equilibrada;
- Exercício de gratidão: Diariamente, registre três coisas positivas, o que ativa o circuito de recompensa cerebral e reduz o foco nos aspectos negativos;
- Pausas estratégicas: Sempre que surgir o desejo de reclamar, pare por 10 segundos e respire profundamente, interrompendo a ativação do sistema de estresse;
- Reforço positivo interno: Substitua a reclamação por afirmações de progresso, como “estou buscando uma solução” ou “posso lidar com isso”;
- Cuidado com o ambiente: Evite interações ou ambientes que promovam negatividade e escolha situações que favoreçam pensamentos e emoções positivas;
- Treinamento do córtex pré-frontal: Realize atividades que exigem concentração, planejamento e criatividade (como aprender algo novo ou resolver quebra-cabeças), fortalecendo a capacidade de lidar com problemas de maneira mais construtiva;
- Movimento físico regular: O exercício físico libera endorfina e serotonina, reduzindo o impacto do cortisol e promovendo estados emocionais positivos.
“Essas estratégias ajudam a reestruturar redes neurais de forma gradual, promovendo um cérebro mais resiliente e otimista”, finaliza Roselene.